Texto por José Roberto Marques e Padre Jovandir Batista

Alma é vida, é espírito de sabedoria, é inteligência. Primeiro, de Deus para com o ser humano; depois, do ser humano para com Deus. Então o Senhor Deus formou o homem do pó da terra, soprou-lhe nas narinas o sopro da vida e ele tornou-se um ser vivente. (Gn 2,7)

Deus é amor, sensível e contempla cada uma de suas criaturas: “Deus viu que a luz era boa” (Gn 1,4); a separação da terra e do mar, “Deus viuque era bom” (Gn 1,10b); os animais, a relva, as florestas, “Deus viu queera bom” (Gn 1,12b); o Sol e a Lua, “Deus viu que era bom” (Gn 1,18b); cada uma das criaturas do céu e das águas, todo tipo de espécie, “Deus, vendo que era bom” (Gn 1,25b). E, após criar essas criaturas todas, Deus vendo que eram boas, no clímax de tudo, cria o ser humano, que não somente vê, mas, também, expressa sentimentos, o que achou muito
bom.

“E Deus viu tudo quanto havia feito e achou que era muito bom” (Gn1,31). E Deus sopra a vida, a sua alma sobre a estátua, e eis que ela passa  a ser vivente: forças, sentimentos, alma de Deus sobre o ser humano. O homem tem agora um espírito. Deus ama por completo esta obra sua, “Deus criou o ser humano à sua imagem, à imagem de Deus o criou. Homem e mulher ele os criou” (Gn 1,27).

Esse mesmo sopro de vida é também dado por Jesus aos apóstolos. Os apóstolos que, até então, estavam com medo, sem entendimento, sem disposição, ao receberem o sopro do Espírito Santo, ganham disposição e saem pelo mundo anunciando a Ressurreição. Os apóstolos estavam imóveis, como estátuas de barro, frágeis, escondidas numa sala escura, semelhantes a quando se guardam estátuas num armário ou se deixam num museu. Jesus, o filho de Deus, tira essas estátuas do ambiente fechado, sopra-lhes o espírito, o Espírito Santo de Deus. Essas estátuas, os apóstolos, agora encorajados, cheios de vida, saem a trabalhar, põem se a serviço do Evangelho pelo mundo.

Digo também que a vida num museu se deve à visita das pessoas com alma. De nada adianta um museu fechado, cheio de estátuas, múmias e outras coisas mais sem ser visitado. Ao ser aberto, contemplado por pessoas cheias de sentimentos, encantos, tudo ganha vida. Veja bem, falo de pessoas cheias de sentimento; de nada adianta sair pelas ruas,recolhendo pessoas de qualquer jeito para visitar um museu.

As pessoas precisam ser preparadas, trabalhadas, para fazer essa visita. Elas precisam fazer uma visita com alma, com vida. Isso deve ser muito explorado na escola, desde cedo, com as crianças. Recordo-me, com alegria, de uma das minhas viagens à Europa. Com as pessoas que parti, o que muito fizemos foi visitar museus, praças históricas e igrejas. No museu do Egito, em Turim, fiquei encantado ao ver muitas crianças com seus professores, realizando visitas. Crianças, pequeninas, diante daquelas estátuas enormes, próprias da arte egípcia.

Soprou sobre eles e falou: Recebei o Espírito Santo. (Jo 20,22) Vejamos a passagem de Deuteronômio, capítulo 6, versículo 5: Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças. (Dt 6,5)

Amo essa passagem bíblica, ela expressa que devemos amar a Deus por completo, e não apenas por parte. Coração significa sentimento. Alma significa essência, sabedoria, inteligência. E forças — veja bem, no plural — significam as capacidades físicas, mentais, bem como os materiais (posses). Então, amar a Deus por completo é colocar todos os sentimentos, inteligência, condições físicas, mentais e materiais a serviço do seu reino, o Reino de Deus.

Compreender isso significa estar bastante maduro na compreensão de si mesmo e da divindade que há em si. Ela é o Eu Maior, o ser de luz que vamos entendendo ao longo das reflexões deste livro e que deverá ser percebido com o seu desfecho. É sair aos poucos das sombras, de dentro da caverna, para a luz infinita do Universo; sair das crenças limitantes para os valores da vida, deixar a mesquinhez carregada de preconceitos para a pureza das retas intenções.

Pois bem, com todas as suas forças, com todo o seu sentimento, com toda a sua alma, assim Deus entrega o seu amor por completo ao ser humano; e o ser humano, também assim, entrega o seu amor por completo a Deus.

Mas de nada resolve as forças e os sentimentos, se não houver vida. Quer entender o que é vida? Basta olhar para você mesmo agora lendo este livro, para alguém que está aí com você e todas as outras pessoas, sobretudo as de bem, que vêm às suas lembranças agora. As interpretações, os sentimentos partilhados, seus e das pessoas que lembrou, tudo isso está no âmbito da alma. Corpo, reflexões, sentimento e alma formam as dimensões da vida, a vida integral.

A maior frustração de Michelangelo, ao terminar a imagem da Pietá, perfeita obra esculpida por suas mãos, foi não poder lhe dar o sopro da vida. Michelangelo, indignado, olha para ela e pergunta: “Por que não falas?” Simples de responder: porque não havia alma naquela obra de
arte, a alma estava no criador. O criador, sim, dotado de alma, sentia, sofria e indignava-se com aquela pergunta. Pobre Michelangelo! Autor de tantas estátuas, mas sem o poder de lhes soprar a vida como Deus fizera ao soprar seu espírito sobre as estátuas que somos nós, seres humanos.

A escultura era, para Michelangelo, a arte mais próxima de Deus por comparar a pedra em que esculpia ao barro que serviu de matéria prima para moldar o homem. Diz-se entre os historiadores da arte que ele acreditava haver figuras presas dentro do mármore e que sua missão era
libertá-las. Por isso ele esculpia sempre em blocos inteiros de mármore, enquanto outros escultores emendavam mais de um pedaço, ou para ter área suficiente para esculpir, ou para encobrir possíveis erros. Foi um multiartista e um gênio.

Michelangelo não conseguiu colocar alma nas suas estátuas, mas a alma se faz nas estátuas de Deus — nós. A religião sem alma é mercado. A alma na religião é louvor a Deus e às criaturas de Deus.

“Minha alma, bendize o Senhor e tudo o que há em mim, o seu santo nome!” (Sl 103,1).

E nesta compreensão sobre alma, vai uma pergunta que percebo que gera sempre muita discussão: reza-se pelas almas ou pelas pessoas? De fato, há muita confusão nisso. O que se percebe, muitas vezes, faz parte da religiosidade popular e, nem sempre, é devidamente compreendido na religião. A atitude de rezar é sempre uma atitude de amor, e o amor precisa ser percebido de forma ampla, não somente numa dimensão, como demonstrado no início desta seção. Assim sendo, reza-se pela pessoa, independentemente da condição em que ela esteja: sadia, enferma, aniversariando ou necessitada de alguma coisa. Vamos rezar pela pessoa, por uma graça alcançada, para que tenha sucesso em sua cirurgia. Rezemos para que os médicos estejam seguros, dotados de sabedoria para realizarem bem o tratamento de alguém querido, para que este possa estar logo de volta ao nosso meio. E assim por diante.  Em se tratando de uma pessoa que já faleceu, continue rezando por ela. Para isso, é necessário ter atenção à formulação da prece. Rezemos, in memoriam, pelas pessoas que amamos. E outra pergunta que talvez seja a dúvida de muitos: a quem recai o efeito da oração, sobre a pessoa que reza ou para quem se reza? A resposta é: toda oração é partilhada, mesmo que individualmente. E, partilhada, tem sempre efeito em quem reza e para quem se reza.

A oração é sempre dirigida a Deus em prol de alguém. Por exemplo, a oração rezada pelo próprio Jesus, o “Pai Nosso”, foi dirigida antes de tudo ao Pai. Como essa oração, há outras maneiras de rezar: “Deus Pai…”, “Pai do céu…”, “Querido Pai…”, “Querido Deus…”, “Oh Deus…”, “Papaizinho de
Jesus…” E mesmo que seja iniciada de uma outra forma, ela se encerra:“Isto nós vos pedimos, ó Deus…” Caso esteja eu sozinho em oração, estou rezando porque sinto Deus comigo. Neste caso, converso, partilho, em clima de oração, uma situação minha com Deus ou uma situação com Deus a respeito de outra pessoa. O efeito desta oração recai, até então, somente sobre mim. Torno-me uma pessoa mais contemplativa, paciente, esperançosa, dependendo do que estou colocando nesta oração. Caso, na minha oração, eu esteja pedindo a Deus que faça com que as outras pessoas sejam mais compreensivas comigo, me ajudem mais nas minhas dificuldades, isto só vai acontecer
se as pessoas souberem dessas minhas necessidades. Daí a importância de partilhar o que rezo, elaborar preces em família, em comunidade, fazer-se conhecer por mais pessoas. Permitir que as pessoas percebam que sou uma pessoa de oração.

Rezar por pessoas enfermas é, de alguma forma, voltar-se para cuidar dessas pessoas em momentos frágeis de suas vidas. Rezar por pessoas que estão fazendo algum tipo de aniversário é mobilizar gente para se voltar e se alegrar uns com os outros. Rezar pelo fim da violência na
Síria é chamar a minha família, a minha comunidade para, primeiro,  sentir a paz aqui, onde eu, onde nós nos encontramos; isto, pelo mundo afora, tem um efeito de onda, e mesmo que lento e pequeno, faz muito sentido para a realidade em que eu me encontro. E quando um sírio
pedir refúgio no Brasil, no meu estado, na minha cidade, que eu tenha alegria em acolhê-lo. Portanto, oração precisa ser partilhada, para ter efeito quanto ao que está sendo pedido.

Como estão sendo feitos os seus pedidos? Por acaso seriam alguns dos tipos a seguir?

— Senhor, quero um carro zerinho.
— Senhor, eu quero ser rico.
— Senhor! Eu quero que meu time ganhe esse campeonato!
— Senhooorr! Eu quero um celular novinho!
— Senhor, eu quero uma casa nova!
— Senhor, eu te quero mais que tudo nesta vida.

Perceba que esses são todos pedidos muito egoístas. Quem sabe, vale a pena agradecer mais e pedir menos. Agradecer o ar que respiramos, os ouvidos e as coisas que ouvimos, o nosso corpo com saúde etc.

Buscai, em primeiro lugar, seu Reino e sua justiça e todas essas coisas vos serão acrescentadas (Mt 6,33)Na carta de São Tiago, capítulo 2, versículo 26, lemos que “como ocorpo sem o sopro é morto, assim também é morta a fé sem as obras”.Isto significa compreender que rezar sem partilhar não faz sentido. Entendo a palavra “oração” da seguinte maneira: “horação”, isto é, o momento da hora diante de Deus, numa atitude de contemplação, louvor, agradecimento ou pedido, e o momento da ação. Trata-se de partilhar os meus anseios, desejos, angústias pessoais, familiares, comunitárias
e daí ter um ato concreto, seja pessoal, seja grupal. O Papa Francisco é um exemplo claro e público de homem de “horação”. Tem os seus momentos a sós, seus momentos públicos de partilha e momentos fortes de saída ao encontro daquilo que tem rezado, encontrando soluções, mesmo que pequenas, mas que servem de exemplo e são assumidas pela Igreja inteira.

Quando o papa faz convocação a um momento de vigília, está convocando as pessoas para se concentrarem em torno de uma dada realidade. Dali surge uma partilha e uma ação prática.

Rezar pelos entes queridos faz muito sentido sobre as pessoas que estão rezando, não sobre as pessoas que já morreram. Quem morreu não mais necessita de orações, mas eu necessito de lembrar dessas pessoas que, de forma positiva ou negativa, me fazem rezar. A partir desse tipo de oração, percebendo o que levou esses meus entes à morte, vou provocar atitudes transformadoras, que sejam sempre para o bem, dentro de mim e à minha volta. Rezemos enquanto podemos, chamemos sempre as pessoas para a oração, compartilhemos os efeitos dela.

Pois bem, é muito importante a oração! Faz bem para todos nós em todos os momentos e, de nós, se estende para todas as pessoas, mesmo àquelas que não têm o hábito de orar. Reze e eleve a sua alma a Deus, eleve a sua essência de vida ao estado de graça e tenha certeza de cada vez mais estar dando o testemunho de uma pessoa feliz, cheia de luz.

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