Não é segredo nem mistério para quase ninguém que o home office é uma das grandes tendências para o mercado de trabalho já há algum tempo. As novas tecnologias proporcionam a possibilidade de conexão entre pessoas e de entrega de documentos sem a necessidade de proximidade física. Algumas das empresas que se tornaram sinônimo de sucesso nos últimos anos têm entre seus maiores diferenciais a utilização dessa conectividade. Dois exemplos que ilustram de maneira simples o que estou querendo dizer são o Nu Bank — que te permite abrir uma conta de banco a qualquer hora, dentro de casa, bastando tirar algumas fotos de documentos — e o Airbnb.
A relação entre colaborador e empresa tem tomado um rumo parecido. Gigantes da tecnologia, como a Cisco, têm gradualmente adotado a prática do home office com bons resultados. A lógica de adotar essa prática, do ponto de vista do empregador, passa por reduzir custos com aluguéis e similares, preservar o trabalhador de acidentes no percurso — equiparados no Brasil a acidentes de trabalho até muito recentemente —, diminuir o impacto de eventuais interrupções no transporte público ou problemas sazonais como alagamentos, diminuir ausências por motivo de doença, entre outros.
O que era mais comum para freelancers e profissionais liberais passa a ganhar força inclusive para quem tem carteira assinada. A diferença fundamental — além da questão da presença ou não do trabalhador em um ambiente físico — está naquilo que se espera do trabalhador: na relação convencional, espera-se, além do resultado — a entrega, a prestação do serviço —, o cumprimento de um determinado número de horas; no home office, dispensa-se o segundo elemento e o foco é apenas no resultado.
Isso tem duas implicações imediatas. Primeiro, há um estímulo para que o profissional seja eficiente: já que o tempo que ele passa trabalhando não importa, terminar o serviço em menos tempo dá a ele a possibilidade de fazer outras coisas — educar-se, passar tempo com a família, descansar ou mesmo trabalhar mais. Segundo, como o foco está no resultado, não é possível entrar no modo automático e apenas cumprir o horário na firma, o que o estimula a se manter eficaz.
Além disso, vale a pena refletir sobre o que baseia a prática de exigir cumprimento de horário específico dos trabalhadores. Para falar de Brasil, quando nossa CLT foi desenvolvida pela equipe de Vargas, a realidade era de um país em processo de industrialização, com ampla necessidade de mão de obra para as linhas de montagem das fábricas. Hoje esse processo é em grande medida automatizado e muitos postos de trabalho novos surgiram, mais relacionados às capacidades de organização e raciocínio, o que favorece o trabalho remoto.
Do ponto de vista do colaborador
Antes de tudo, é preciso ter em mente que, para o empregador, oferecer home office também é assumir um risco. Se a empresa te dá essa oportunidade, ela está te dando um voto de confiança que precisa ser honrado. Sabemos que estar em casa, para muitas pessoas, significa não trabalhar; mas, na situação em que nos encontramos atualmente, será prudente e até necessário para grande parte dos profissionais, inclusive quem tem dificuldade de se manter produtivo fora do ambiente físico da empresa, trabalhar de casa.
Algo de que vale a pena lembrar ainda é a utilidade de desenvolver a capacidade de autogestão. Ela é útil em todas — repito e sublinho: todas — as áreas da vida. Ser capaz de negociar com nós mesmos estratégias para fazer aquilo que sabemos que precisa ser feito demanda autoconhecimento e disciplina, além de compreensão e até algum grau de perdão. Diante de nossas aspirações e desejos, não podemos nos tiranizar quando erramos nem deixar de cobrar resultados de nós mesmos.
As pessoas muitas vezes tendem ou a cobrar demais ou a ser indulgentes demais consigo mesmas. Um exercício útil: tente tratar a si mesmo como uma pessoa pela qual você é responsável, como um filho ou um aluno. Assim vai ser possível olhar com mais objetividade para o que precisa ser feito e o que está de fato sendo feito, de maneira a cobrar e perdoar de maneira tão justa quanto possível.
Tendo isso como base, como mentalidade, existem algumas práticas simples que ajudam na hora de desenvolver a produtividade do trabalho home office:
- Não subestime o poder das âncoras. Você pode, sempre que for começar a produzir, fazer um pequeno ritual, um gesto, um som específico para esse momento. Isso sinaliza para o seu corpo e para a sua mente que é hora de entrar no modo focado.
- Estabeleça regras claras com quem mora com você sobre a hora e o local do seu trabalho. Isso inclui silêncio e isolamento. Pode ser difícil e até doloroso, mas é necessário. Lembre-se de que se trata da sua vida profissional, do sustento de sua família e do voto de confiança que alguém lhe ofereceu. Tenha firmeza e honre tudo isso.
- Mantenha seu local de trabalho organizado e preparado. Com tudo o de que precisa à mão, você evita interrupções e a produção flui melhor.
- Entenda como organizar o tempo para maximizar seus resultados. Essa é uma característica específica sua; portanto, você provavelmente terá que fazer testes para saber se trabalha melhor por horas sem pausa, ou com uma quantidade maior de intervalos. Observe-se e conheça-se.
- Faça uso da flexibilidade que lhe foi oferecida. Se há alguma coisa que você pode fazer em casa, mas não no ambiente físico da empresa, que aumenta sua produtividade, aproveite.
- Tenha cuidado para não ficar confortável demais. É possível utilizar o stress como seu aliado, de acordo com a pesquisadora Kelly McGonigal. Estar em casa é um motivo para ter atenção redobrada para não passar muito tempo na sua zona de conforto.
- Assuma de uma vez por todas o papel de gestor do seu próprio tempo. Isso pode se generalizar para outras áreas da sua vida, o que é muito positivo.
É importante lembrar que as transformações tecnológicas já anunciavam a possibilidade e, em alguns casos, a necessidade do home office, e a crise que vivemos está apenas precipitando essas mudanças. O que você está fazendo para se atualizar?
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