Arquétipo

Gajus/Shutterstock Conheça o poder do Arquétipo do Curador Ferido e veja como esta poderosa metáfora ajuda no processo de Coaching e na cura do coachee

Antes de falar do arquétipo do curador ferido, vale ressaltar que muito já foi estudado sobre os arquétipos e o inconsciente coletivo em Jung. O inconsciente é dotado do material reprimido e também de todos aqueles componentes psíquicos que são “absorvidos” pelos sentidos e ficam subliminares à consciência e constituem, metaforicamente, as sementes dos conteúdos conscientes futuros. O inconsciente, ou Self 2, nunca está em repouso, nem quando dormimos, ele está sempre em busca de agrupar e reagruparas informações recebidas.

Sendo assim, podemos dizer que esses conteúdos são pessoais, pois estão relacionados à existência do indivíduo quanto à sua aquisição. Mas podem ser mais específicos se os considerarmos como algo que exige certo reconhecimento e seus efeitos no passado de cada um de nós, assim como sua origem específica e as manifestações parciais, são conteúdos inconscientes pessoais.

Por outro lado, dada uma imagem mental em que não há aspectos exclusivamente pessoais, mas sim algo conhecido na esfera coletiva, que se espalhou universalmente e surge de novo em nosso inconsciente por meio de uma função psíquica natural, temos o inconsciente coletivo.

Desta maneira, podemos afirmar que o inconsciente tem componentes não só da esfera pessoal, como também impessoal, coletiva como categorias herdadas, ou arquétipos. Propomos aqui a ideia de que o inconsciente, em sua profundidade, tem conteúdos coletivos, em estado relativamente ativo, por isso, designamos inconsciente coletivo que promove uma ampliação da personalidade.

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Desvendando o Arquétipo do Curador

PSC

Neste artigo, o foco será dado ao “arquétipo do curador ferido”. Mas antes é preciso falarmos um pouco sobre o arquétipo do curador. Tomaremos aqui, o conceito de curador como aquele que deixa a própria essência falar por si, permitir que o amor seja um dom gratuito para todos e possa ser manifestado em diversas partes da sua vida e de seus stakeholders, em seus relacionamentos, na saúde, na fala, nos gestos e em cada micro parte presente em nós.

É fácil identificar este arquétipo em nós mesmos. O Curador é aquela pessoa ou a parte de nós responsável por organizar tudo de forma saudável e focando no bem, também é o motor que reinicia o ciclo, mas desta vez, com a identidade mais fortalecida e preparada para declarar mais uma vez todo caminho pelo qual passamos.

Nossa intenção não é tratar a cura segundo o aspecto médico e científico, mas sim aceitar que você tem, da melhor maneira possível, condições de manter-se saudável física e emocionalmente através de pensamentos positivos, cuidados com o corpo e desenvolvimento emocional. Ser curador também é aceitar e agradecer diariamente tudo aquilo que você tem e aquilo que ainda pode obter.

Características do Arquétipo do Curador Ferido:

  • Direção: Sul;
  • Elemento: Terra;
  • Criaturas: Criaturas com 4 Patas;
  • Recurso Humano: Amor;
  • Forma de Meditação: Deitado;
  • Maneira de se Viver: Discurso Correto;
  • 4 Maneiras de Ser: Prestar Atenção;
  • Bálsamo de Cura: Contar Estórias;
  • Instrumento: Tambor;
  • Estação:

Quando falamos sobre o “arquétipo do curador-ferido” podemos nos remeter a algumas representações mitológicas para ilustrar este modo de funcionamento inconsciente para que ele seja facilmente reconhecido e intuitivamente compreendido.

Quíron

Vuk Kostic/Shutterstock

O mito do centauro Quíron tem diversas origens, uns dizem que ele era o filho de Cronos que transformou-se num cavalo para que pudesse ser escondido pela sua mãe Reia. Outras fontes indicam que ele era filho de Zeus com a ninfa Maia. Fato é que Quíron era um dos mais notáveis sábios, videntes e curadores da Grécia inteira. Isso ficha evidente quando os jovens, tanto os filhos bastardos de Zeus, quanto oriundos das nobres famílias gregas eram confiados aos seus cuidados.

Quíron é uma das metáforas de arquétipo do curador-ferido porque conta a mitologia que certa vez ele foi acidentalmente ferido por uma das flechas que Hércules, seu discípulo, usara para matar a hidra de Lerna. Este animal peçonhento tinha uma quantidade incalculável de veneno em seu sangue capaz de causar a morte de uma pessoa com uma única gota.

Mas, Quíron, o sábio centauro, era imortal, sendo assim, o veneno da hidra de Lerna apenas causou uma ferida terrivelmente dolorosa. Tamanha era a dor que ele pediu a Zeus que o matasse para, enfim, acabar com seu sofrimento. Contudo, o supremo deus tem piedade de Quíron e ao invés de mata-lo, transmutou seu corpo na constelação do Centauro e dessa maneira, o imortalizou junto com as estrelas.

Consideramos Quíron um arquétipo de curador-ferido porque ele representa todo sofrimento presente em sua alma, toda impotência pois o seu poder de cura era incapaz de curar a si, passa a existência na busca de explicações para a vida, pura automotivação. Quem, senão próprio Coach é dotado deste potencial: curar seu Coachee mesmo que ele mesmo tenha uma ferida dentro de si?

Quíron nos traz de volta o conceito de vulnerabilidade, imprescindível ao processo de Coaching. Ele nos lembra da nossa dualidade, humanidade e da possibilidade do erro, de que não precisamos chegar à perfeição para nos tornarmos curadores de nossos Coachees. A cura ocorre no intercâmbio da vulnerabilidade. Tornar-se Coach é estar realizando processos de autocoaching constantemente.

Perséfone

Andresr/Shutterstock

Era a filha única da deusa Deméter. O mito diz que ela foi sequestrada por Hades enquanto colhia violetas e narcisos pelos campos com as filhas do Rei Oceano. Ele, então, a leva para o mundo dos mortos, Tártaro, lá oferece uma romã à moça que, faminta aceita. Ao comer a fruta, apaixona-se pelo deus do submundo.

Toda vez, que Hades voltava à superfície, ela cobria o rosto com um capacete, o objetivo era esconder sua face. Há mitos que dizem que esse deus era um homem muito belo, forte e viril. A deusa Deméter estava desesperada para encontrar a filha e saiu vagando pelo mundo nessa busca.

Um dia, a deusa encontra um menino chamado Triptólemos, ele lhe diz ter visto uma jovem linda sendo arrastada por um homem desconhecido para dentro da terra. Naquele momento, a mãe sabia que se tratava de sua filha e do deus dos mortos.

Nesse momento, Deméter começa uma intensa negociação com o deus do submundo para que ele lhe devolvesse sua filha, mas Hades não queria abrir mão de maneira nenhuma, contudo, Hermes, deus dos comerciantes, chamado para resolver o dilema descobre que a jovem comeu no submundo ¼ de uma romã, com isso ela “era obrigada” a ficar apenas ¼ do ano com o marido. A mitologia explica que esse ¼ do ano corresponde ao inverno, momento em que ela se separa de sua mãe. No entanto, o verão marca a união delas novamente, o outono e a primavera seriam, assim, a preparação da sua partida e ou da sua chegada.

Poderíamos dizer que o rapto de Perséfone seria uma metáfora para nosso esconderijo dentro do self de nós mesmos? O arquétipo do curador-ferido poderia ser, nesse caso, o caminho que o Coach percorre junto com o Coachee a ponto de um encontrar no outro sua luz e sua sombra.

A Influência do Arquétipo do Curador no Processo de Coaching

Este poder curador metafórico, em que Perséfone abre mão de sua própria liberdade, talvez seja uma sugestão para pensarmos em como o atendimento ao nosso Coachee nos leva a abrir mão de nossos medos e angústias, que de tão dolorosos possuem um poder libertador. E o que dizer da face bondosa revelada pela atitude de Hades? O temido deus do submundo negocia a mãe que sofre a ausência da filha, e transforma o que poderia ser terrível em algo belo e forte interiormente.

A consciência de que precisamos encarar nossas próprias sombras para termos a oportunidade de ajudar nossos coachees encontrarem as deles, é um desafio quando estamos no arquétipo do curador-ferido, este por sua vez, deve mergulhar no próprio self na posição humilde de quem também é autotratado, apenas desta maneira suas ações como Coach poderão ajudar na comunicação entre os mundos de Perséfone: o terreno, em que estava com sua mãe e aquele e o inconsciente, de Hades, escondido dentro de nós mesmos.

Perseu

GhostKnife’s/Shutterstock

Logo que nasceu, Perseu, filho de Dânae e Zeus, foi lançado ao mar depois de ser colocado em um baú junto com sua mãe. Isso aconteceu porque seu avô, Acrísio, foi alertado por um oráculo que seu neto seria o instrumento de sua morte.

Zeus, em sua infinita bondade, intercede em favor de seu filho e faz com que o baú seja levado intacto até a costa do reino de Polidectes e encontrado por um pescador, que, imediatamente os leva para o rei daquele lugar.

O menino cresce e se torna um jovem forte e de sucesso. Tanto que seu benfeitor lhe pede que ele ajude a matar Medusa. Ajudado por Athena que lhe dá um escudo e uma espada e, Hermes, que lhe dá uma sandália com asas; o jovem parte para sua missão. Usando o escudo para refletir a imagem da Górgona e dessa maneira não ser petrificado pelos olhos de Medusa, Perseu consegue cortar-lhe a cabeça enquanto ela dormia.

Ao voltar encontra a princesa Andrômeda amarrada a um rochedo porque, sua mãe, Cassiopeia ofendeu as ninfas do mar quando comparou sua própria beleza com a beleza das divindades aquáticas. A única maneira de salvar a jovem era destruir o reino de Cefeu, pai de Andrômeda. Como estava apaixonado pela jovem, Perseu propõe enfrentar o monstro e no caso de vencer, teria como prêmio a mão da jovem em casamento. Assim foi aconteceu.

Nesse caso, Perseu representa o arquétipo do curador –ferido pela sua “quase morte”, esse fato fez dele um jovem corajoso e extremamente preocupado com o sofrimento alheio. Quando um Coach tem carinho e se importa com seu Coachee consegue entender a origem e a motivação daquela dor. De certa forma, entendemos que quando o Coach ajuda seu Coachee a viver melhor ele colaborará também com todos os stakeholders daquela pessoa.

Contudo, pensar um Coach focado apenas neste arquétipo, pode ser de certo ponto perigoso, uma vez que, o excesso de suas qualidades ficará evidente e ele passará a trabalhar em prol de evidenciar suas funções, esquecendo dos limites e necessidades do seu Coachee bem como de seus próprios limites e necessidades.

Orfeu

Radiokafka/Shutterstock

Era filho de Apolo e Calíope. Ainda pequeno Orfeu ganhou de seu pai uma lira que tocava divinamente de tal modo nada resistia ao seu encanto.

Apaixonou-se e casou com Eurídice, assediada implacavelmente pelo jovem Aristeu que estava enlouquecido de desejo por ela. Ao fugir, a jovem pisou numa víbora e morreu por causa do veneno de sua mordida. Orfeu pediu incessantemente aos deuses que a devolvessem para o mundo dos vivos, mas não obteve sucesso, então ele decidiu descer até o mundo dos mortos para resgatá-la.

Teve muita dificuldade para convencer o barqueiro, que ficava à beira do rio Estige, a levá-lo a presença do deus Hades. Finalmente, chegou ao submundo e antes de encontrar Hades, fez adormecer o cão de três cabeças, Cérbero que guardava os portões da entrada. No encontro com o deus, Orfeu mostrou a canção que compôs depois da perda de sua amada. Tomado pela comoção, Hades permite Eurídice volte para o mundo dos vivos, mas avisa que ele não deve olhar para ela até chegar ao destino. Orfeu estava com tamanha saudade, ansiedade e certa desconfiança dos objetivos de Hades que resolve se virar e assim, a profecia se concretiza e ele a vê pela última vez. Sua amada Eurídice desaparece para sempre.

Desolado e inconsolável, Orfeu volta e passa dias sentado à beira do rio Estige. Nesse período, ele adquire novos dons e poderes. Passa a ser um profeta excepcional, clarividente e conhecido pelo seu poder de cura. Ainda sofrendo de amor por Eurídice, recusa todas as mulheres que o procuram. Tomadas por uma fúria descomunal, certo dia, elas o atacam e esquartejam lançando seus pedaços ao rio. A lenda conta que sua cabeça seguia cantando, uma canção tão doce que as mulheres daquele transe de ódio e choraram de arrependimento. Mas já não era mais possível reverter.

Quando nos deparamos com esse arquétipo de curador-ferido presente na história de Orfeu, pensamos em como o Coach, muitas vezes, tem a necessidade de se distanciar emocionalmente para não perder a objetividade e o foco no processo do Coachee.

Pensar que durante a sessão cada parte assume seu papel é uma conduta extraordinária para que não haja confusão entre outros papéis como amigo, familiar, colaborador… Mas sim que o Coach tenha a consciência de que sua história pode, em certo momento, se confundir ou se completar com a de seu Coachee, mas que é preciso se desconectar de tudo aquilo que não lhe pertence.

Por outro lado, é preciso que a emoção esteja presente na medida em que ela for um facilitador da comunicação entre o Coach e seu Coachee, ela deve permitir que você entre no mundo de seu Coachee e que quando isso acontecer, o Coach fique do mesmo tamanho que ele, ou seja, dispensando toda e qualquer aresta de superioridade de uma das partes.

Jesus

Artphotoclub/Shutterstock

Desnecessário contar sua história, basta que tenhamos como base as explicações bíblicas sobre os ensinamentos dele mesmo em profundo sofrimento na Via Crucis e, em seguida, erguido na cruz ao lado de ladrões e assassinos.

Suas feridas faziam parte das profecias do antigo testamento “Mas ele foi transpassado por causa das nossas transgressões, foi esmagado por causa de nossas iniquidades; o castigo que nos trouxe paz estava sobre ele, e pelas suas feridas fomos curados.” (Isaias 53:3- NVI). No novo testamento, encontramos referências de seu papel como curador: “Ele mesmo levou em seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro, a fim de que morrêssemos para os pecados e vivêssemos para a justiça; por suas feridas vocês foram curados”. (I Pedro 2:24 – NVI).

Pensarmos que existe este tipo de arquétipo é algo bastante atraente, pois faz referência ao movimento que existe no processo de cura e consequentemente permite ter consciência dessa relação de autocura na relação entre Coach/Coachee.

Na obra de Guggenbuhl-Craig (1978) encontramos uma amplia para esta perspectiva. O autor afirma que quando a consciência se identifica com um dos polos deste arquétipo, o contrário é posicionado no inconsciente. Por exemplo, em uma situação de doença, esta informação é posicionada no Self 1, o polo curador de uma relação é posicionado no Self 2.

O fato de ser inconsciente, permite que o extremo curador seja projetado no Coach com a intenção de movimentar toda energia daquele encontro para a cura da ferida do Coachee.

Pensar na imagem arquetípica de cura ou curador como oposição à ferida, traz uma reflexão sobre a distinção necessária a cada um destes termos, assim como vimos nas metáforas mitológicas, há um limite no qual a ferida está tão próxima ou é necessária ao ser humano quanto negada e distanciada. Desta maneira é possível associar ao curador alguns elementos:

Curador Ferida
Saúde Doença
Possibilidade Limite
Total Parcial
Imortal Mortal
Divino Humano

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Possibilidade-Saúde-Cura x Limite-Doença-Ferida

Também podemos pensar que a arquétipo do curador nos remete no nível inconsciente à “possibilidade de possibilidades”, o “vir-a-ser”, o impulso destemido de expandir as fronteiras da ferida e da própria dor.

Tanto a tríade Possibilidade-Saúde-Cura quanto Limite-Doença-Ferida possuem elementos que representam a perspectiva de autorregulação do Self 2. Basta voltarmos aos mitos, eles nos apontam para o dever de integração dos limites, para não cairmos no exagero e isso ser fatal como no caso dos heróis gregos.

O processo de Coaching nos traz a clareza do quanto as crenças limitantes podem impedir o Coach e o Coachee de seguir adiante, de cada um curar suas próprias e as feridas do outro. Contudo é imperioso ter cautela com a obsessão pela fantasia da saúde total e plena (fisiológica e mental) que pode esconder uma busca por algo impossível. O foco deve estar no Coachee e na ideia de acompanhar, acompanhar e conduzir; aprender a aprender, entrar no mundo dele e estabelecer rapport verdadeiro.

Este processo é altamente eficaz quando consideramos o papel do Coach como ele sendo o próprio limite à sua cura de a de seu Coachee. Basta pensarmos no conceito de transferência e contratransferência, presentes na teoria de Jung, na qual basicamente vai tratar, grosso modo, do espelhamento de realidade de uma das partes no processo. Assim, o ideal de saúde e de perfeição pode ser apenas relacionado ao sistema de crenças e valores do Coach, e sendo assim pode não fazer sentido para o Coachee.

O arquétipo do curador-ferido expressa a possibilidade de integrarmos nosso Self 1 e Self 2, a luz e sombra, a cura e a ferida do próprio Coach que é conduzido a um processo de individuação em direção à própria identidade e as possibilidades de autocura e cura chegando à cura do Coachee.

Referências Bibliográficas

BRANDÃO. J. DICIONÁRIO MÍTICO-ETIMOLÓGICO, Vol. I, Ed. Vozes, Petrópolis, RJ, 1991.

GROESBECK, C.J. A IMAGEM ARQUETÍPICA DO MÉDICO FERIDO, inJUNGUIANA – Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 1983.

GUGGENBHÜL-CRAIG, Adolf, Abuso do poder na psicoterapia, rio de janeiro: achieamé, 1978.

GUGGENBHÜL-CRAIG, Adolf. O Arquétipo do Inválido e os limittes da Cura, in JUNGUIANA – Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 1983.

STEIN, Murray. Poder, xamanismo e maiêutica na contratransferência. In: STEIN, Murray; SCHWARTZ-SALANT, Nathan (orgs). Transferência, Contratransferência. São Paulo: Cultrix, 2000.