Quem nunca passou por momentos particularmente difíceis, para os quais não parecia haver saída, com sensação constante de dor, perda ou culpa? Esses são sentimentos naturais do ser humano diante de situações severas de separação, frustração ou luto; o que precisa ser observado com muito é o prolongamento desse estado, a dificuldade ou incapacidade de sair dele e a manifestação desses sentimentos sem um evento específico que os possa desencadear.
Esse prolongamento é o que comumente chamamos de depressão; há muitos fatores envolvidos com ela: desequilíbrio de hormônios, problemas na tireoide, sendo possível até haver predisposição genética. Embora essas características fisiológicas devam ser sempre observadas, também têm grande importância fatores psicológicos, como senso de propósito ou significado, noção de pertencimento e contribuição, perspectiva de futuro.
É possível enxergarmos essas duas esferas de fatores de maneira integrada — na verdade, seres humanos têm integrados seus fatores psicológicos e fisiológicos, e o esforço feito para separá-los tem fins didáticos, mas, uma vez entendidos separadamente, faz sentido tentarmos entendê-los em conjunto.
Simplificando uma ação humana qualquer como partir do Ponto A para chegar ao Ponto B, e contextualizando essa ação em um ambiente qualquer, teremos um estado atual, um estado desejado e um contexto com todos os seus fatos e eventos. Para nos movermos do estado atual em direção ao desejado, contamos com nossa própria força e com os elementos presentes no ambiente, os quais classificamos utilizando uma parte do cérebro chamada de sistema límbico, a parte emocional do cérebro. O sistema límbico lida, grosso modo, com emoções positivas e negativas: as positivas (alegria, entusiasmo, felicidade etc.) nos impelem para frente e as negativas (medo, pânico, nojo etc.) nos fazem parar ou mesmo andar para trás.
Essas emoções são comunicadas entre os neurônios por meio de neurotransmissores e têm grandes efeitos sobre nossos comportamentos. Ao longo do trajeto do Ponto A para o Ponto B, se nos deparamos com objeto ou evento inesperado ou desconhecido, nosso sistema límbico costuma responder imediatamente com emoções negativas, mesmo que em doses mínimas, até que identifiquemos aquilo que temos diante de nós como algo irrelevante, obstáculo ou ferramenta.
Note que qualquer coisa que apareça ou aconteça em nossa trajetória só poderá ser classificada adequadamente se tivermos um grau de clareza sobre qual é o Ponto B. Por exemplo, se existe um tronco de árvore no caminho, podemos vê-lo como irrelevante, se for pequeno; como obstáculo, se for alto; ou como ferramenta, se o Ponto B for do outro lado de um rio e pudermos usar o tronco como ponte. Essa classificação também é informada por uma boa percepção de qual é o Ponto A: imaginando que duas pessoas, com o objetivo de ganhar condicionamento físico, deparem-se com uma escada na entrada da academia, uma pode ver a escada como ferramenta para chegar ao Ponto B, um nível mais elevado de condicionamento físico, enquanto a outra pode vê-la como obstáculo se, por exemplo, for cadeirante. Tanto o estado atual quanto o estado desejado influenciam em nossa percepção do que nos aparece ou acontece.
Portanto, temos uma trajetória, que está entre o estado atual e o estado desejado, e temos um mecanismo emocional, mediado pelo sistema límbico, que informa nosso comportamento, grosso modo, sobre se devemos seguir, parar ou recuar: com emoção positiva, avançamos; com emoção negativa, paramos ou recuamos. Essas emoções, pode-se dizer, se manifestam o tempo todo, mas principalmente quando nos deparamos com algo inesperado ou não identificado; geralmente a ação imediata é parar e observar o que temos à frente, fazer a classificação (irrelevância, obstáculo ou ferramenta) e agir a partir dessa classificação.
Os dois principais neurotransmissores envolvidos com emoção positiva, serotonina e dopamina, atuam da seguinte maneira em relação a esse esquema: quando chegamos ao Ponto B, o estado desejado, predomina a serotonina, que é mais ligada ao sentimento de saciedade; quando sentimos que estamos indo bem em nosso trajeto até o Ponto B, quando identificamos uma ferramenta que nos ajudará a chegar ao estado desejado, o sistema ativado é mediado por dopamina, que é associada ao entusiasmo, à alegria, e proporciona um bem-estar geralmente mais poderoso ainda que a serotonina.
Quando alguém diz que são importantes na vida do ser humano o autoconhecimento e a busca por um propósito e um significado, isso tem uma relação muito próxima com a dinâmica do cérebro (não só o humano): o bem-estar e as emoções positivas trazidos pela dopamina têm a função de indicar para o indivíduo que ele está no caminho certo ou que encontrou algo que pode ser útil na trajetória que está fazendo, impelindo-o para frente. Esses conceitos de “caminho certo” e de “algo útil na trajetória” são extremamente dependentes de clareza a respeito de onde se está (autoconhecimento) e de aonde se quer chegar (senso de propósito). Isso pode até nos ajudar a ressignificar o que em primeiro lugar nos parecia um obstáculo e, quando observado em relação ao nosso objetivo, pode se transformar em ferramenta, gerando emoção positiva e ajudando a superar o momento de dor.
Se, ao contrário, não temos identificação nem do Ponto A nem do Ponto B, como seria possível fazer a classificação das coisas inesperadas que acontecem e aparecem? Como sabemos, só reagimos positivamente diante do desconhecido se tivermos certeza de que, seja lá o que for, não irá nos prejudicar, o que é muito raro. Sem um estado desejado, não teremos como sentir que estamos fazendo progresso no caminho, nem se o que nos acontece ou aparece será útil ou não; isso significa que, além de a quantidade de dopamina liberada no organismo ser consideravelmente menor, a possibilidade de orientar-se para uma conquista, fato associado à liberação de serotonina, fica reduzida.
Diminuídas as quantidades dos dois principais neurotransmissores relacionados ao bem-estar, à emoção positiva, resta um organismo em que predominam as emoções negativas, das quais é muito mais difícil se livrar, já que estão diretamente envolvidas com sobrevivência e autopreservação. É um organismo altamente suscetível ao desenvolvimento de um quadro depressivo.
Existem várias coisas que podem ajudar a evitar a depressão: exercícios físicos, bons relacionamentos, alimentação saudável; os fatores psicológicos, além de contribuírem na esfera abstrata do ser humano, influenciam diretamente na dinâmica do cérebro, e é particularmente influente a questão do bem-estar mediado pela dopamina e pela serotonina. O mecanismo neurológico que lida com essas substâncias tem a função de nos dar orientação no mundo, e trata-se de uma ferramenta evolutiva importantíssima, que nos guiou até o estado em que estamos agora. Portanto, não parece haver inconveniente em dizer: para prevenir-se da depressão, quimicamente e psicologicamente, conheça a si mesmo e faça planos que signifiquem algo para você.
 
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