“Mal do século” foi o termo usado para designar poetas da chamada Segunda Geração do Romantismo, movimento literário nascido no século XVIII e que se estendeu até o fim do século XIX.

Esses poetas, influenciados pelo inglês Lord Byron, apresentavam textos com um pessimismo extremo, melancolia, tristeza, inquietude mórbida, um sofrimento infinito, dores de desilusões, doenças, apatia diante da vida ou ausência de alegria em viver e, até mesmo, desejos de acabar com a existência.

Pela descrição, já é possível estabelecer uma relação entre esse “mal do século” literário e o “mal do século” sobre o qual fala a Organização Mundial da Saúde. Contudo, podemos nos perguntar: porque cresceram o número de casos da doença principalmente em nossa vida contemporânea?

Muitos especialistas apontam para o fato de que hoje existem mais diagnósticos do que no passado. Por exemplo, Winston Churchill, o Primeiro-ministro do Reino Unido que ficou famoso por comandar o país na Segunda Guerra Mundial, chamada o que sentia de “cachorro negro”. Na época em que escreveu para a mulher sobre isso, em 1911, o diagnóstico de doença mental era mais ineficaz e o acesso à informação bem mais restrito.

O que pode estar aumentando o número de acometidos pela doença pode ser o crescimento do interesse pelo tema, a quantidade de informação que hoje existe sobre o assunto (em poucos cliques, já é possível acessar sites que falam sobre o tema de forma simples e direta e ele está presente em discussões em programas de televisão e novelas) e o número de médicos preparados para dar o diagnóstico.

Existe outro fator que ajuda no aumento dos casos: o estresse. É quase impossível não ser estressado nos dias atuais, porque o estresse nada mais é do que o corpo reagindo a estímulos externos e somos golpeados milhares de estímulos a cada minuto.

Quando nos sentimos tensos e nervosos muito além do permitido para a nossa saúde, o cortisol aumenta e se continuar alto por muito tempo, gera dentro do nosso cérebro uma bagunça sem precedentes.

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O que aumenta o estresse também é a vida nas grandes cidades e o convívio quase que permanente com trânsito, filas, violência e risco de catástrofes naturais. Somando a esses fatores, o individualismo e a sobrecarga de informações vêm para aumentar nossos conflitos internos e nosso mal-estar.

Para imaginarmos o mal que o estresse pode fazer à saúde mental é só compararmos com os efeitos prejudicais do tabagismo para o nosso coração. Segundo estudos da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, o malefício é o mesmo nos dois casos.

Indo na mesma direção do efeito dos cigarros, um terceiro ponto que pode explicar porque chamamos a depressão de “mal do século” tem relação direta com os vícios e o uso de drogas, álcool e cigarro. De acordo com um levantamento recente da Unifesp feito em 2013, o consumo de bebidas alcoólicas aumentou 20% no Brasil, algo que se repete também ao redor do mundo.

Mas é importante esclarecer que a dependência química é uma das causas que desencadeiam o transtorno, mas não é o fator principal que faz com que alguém tenha depressão, já que a doença precisa que esteja no histórico familiar para se manifestar.

No entanto, convidamos você a refletir sobre dois pontos de vista. Imagine duas pessoas que possuem predisposição genética.

A primeira sabe que os pais tiveram depressão porque eles foram diagnosticados e, assim, sabe que existe sempre uma chance maior de tratamento mais efetivo e menos penoso. Além disso, essa pessoa foi incentivada desde cedo a praticar esportes, deve educação sobre consumo de drogas e pratica meditação ou qualquer outra forma de relaxar depois de um dia estressante.

Agora, aponte a visão para a segunda pessoa. Ela tem histórico de doença na família, mas a família não foi diagnosticada (por falta de acesso à informação ou à saúde de qualidade). Essa pessoa vai crescer sem saber como prevenir os sintomas da depressão, além disso viverá constantemente em estresse e, para se refugiar dos problemas, vai consumir álcool e drogas.

Diante desses dois quadros, responda: qual das duas pessoas tem mais chances de diminuir os efeitos da depressão? Qual das duas pessoas terá uma vida de maior bem-estar?

Por isso que a predisposição genética é a principal causadora da depressão, mas o problema é que, em sociedade moderna, a quantidade de fatores prontos para provocar uma crise tem a tendência a aumentar.

Há também um motivo para que essa doença esteja tão presente entre a população mais jovens. Uma pesquisa constatou que ela está presente em 25% dos entrevistados que estão dentro de uma faixa etária de 18 a 29 anos.

Isso acontece porque os jovens estão em plena atividade econômica e social e acabam sofrendo muito com o estresse da vida moderna, com pouco tempo livre (geralmente, essa população é a que estuda e trabalha, tendo o sono e alimentação atrapalhados pela correria da vida) e muita cobrança.

Essa última tem grande incidência sobre eles, que têm sobre as costas o peso de serem alguém, de terem sucesso, de se tornarem um orgulho para os pais, de terem dinheiro para continuarem a ser consumidores vorazes, de serem destaque em sua área de atuação e até ganharem fama, entre outros.

Soma-se a essa questão (que também pode desencadear ansiedades), a falta de vínculos afetivos, que só crescem com a vida moderna, e outros problemas naturais (desemprego, falecimento de entes queridos, mudanças repentinas).

Cada época e cultura produz os sintomas de seu sofrimento e desacordo com as movimentos e transformações que acontecem a seu redor. A depressão é, assim, uma expressão de como o corpo e a mente do Ser Humano não estão preparados para uma sociedade de consumo e voltada para a espetacularização.

Além disso, tudo parece mais instável e volátil, com mudanças acontecendo a todo momento. Antes, o mundo dava referenciais morais muito fortes às pessoas, como ser um bom pai, bom filho, um cidadão consciente, uma instituição familiar, entre outros.

Atualmente, o mundo parece ter feito desaparecer essas referências externas e tudo parece ser uma escolha interna. Isso fez com que a perdêssemos o a noção de bem comum, por exemplo, e ganhasse a ideia de bem útil.

Com a ausência do bem comum e o fortalecimento da inutilidade, perdemos a ideia de que podemos ser úteis para alguma coisa que não seja para nós mesmos. Ganhamos uma vida em que vivemos por nós mesmos, sem que tenhamos um papel na sociedade. Mesmo que não saibamos, sentimos dentro de nós a falta da noção de utilidade.

Nos perguntamos para que serve a existência, porque precisamos existir? Nos acomete a ideia de que a vida não faz sentido e atingimos um estado deprimido. Por isso que muitos especialistas e psiquiatras acreditam que o envolvimento social, como trabalhos voluntários ou ofícios que nos fazem ter mais proximidade com o outro podem ser um grande auxílio para aqueles que estão buscando diminuir os efeitos da depressão.

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