O corpo humano possui um emaranhado de divisões, subdivisões ( inconsciente e subconsciente), desdobramentos, partes, recipientes, porções e domínios diversos que tornam toda a catalogação um exercício de paciência e persistência digno de um monge. São gavetas e mais gavetas internas com cada uma delas contendo uma variedade tão ampla de órgãos, tecidos, ossos, células que fazem de qualquer indivíduo um universo específico e particular.
A quase infinita quantidade de departamentos internos em que somos divididos tem um papel chave na determinação da nossa complexidade, que é por si só um elemento mais do que definidor da condição humana. A curiosidade sobre o funcionamento do nosso corpo, nossas especificidades, nossos mecanismos em ação, nossas sutilezas e minúcias tem sido o mais poderoso combustível a alimentar o progresso da ciência e do conhecimento.
O Conhecimento sobre o Ser Humano
Temos muito para acreditar que a maior parte desse combustível não foi queimada em vão, mas tudo o que hoje sabemos sobre o corpo humano ou sobre o homem em geral, cuja definição podemos dizer que extravasa à do próprio corpo, está ainda muito longe de encorajar que cruzemos os braços e demos a tarefa como já realizada. O universo que cada um de nós representa é vasto demais para interrompermos as expedições exploratórias por nesse mundo tão extenso só porque julgamos conhecer brevemente os limites do nosso quintal.
De tempos em tempos nosso saber é chacoalhado com alguma descoberta que põe à prova tudo o que achávamos saber, uma revolução nas nossas dúvidas ou uma virada de mesa que subverte tudo que a humanidade supunha conhecer por completo. É que além de caminhar a passos de formiga, como diria a canção, a humanidade vez ou outra descobre também que caminhou pela trilha errada, e aí é necessário abrir uma nova picada rumo ao desconhecido.
Pode ser definida assim, como uma bem-vinda virada de mesa, a contribuição de Sigmund Freud ao conhecimento humano, à ciência e ao saber, ao ter ajudado a descerrar a cortina que encobria uma dimensão então desconhecida de todos – a mente humana.
É certo que o austríaco, pai da psicanálise, não foi o único responsável por abrir um campo de estudos que ainda hoje instiga e fascina a tantos, mas por méritos pessoais e circunstâncias históricas, foi ele, sim, quem acabou ganhando os louros pelas descobertas que na prática mais fizeram aumentar as dúvidas e questionamentos que temos sobre nós mesmos. Como, aliás, fazem todas as boas descobertas.
Os trabalhos de Freud acrescentaram àquela catalogação das divisões do corpo humano, que já eram contadas com alguns dígitos, um punhado de compartimentos, detalhes, descrições, e possibilidades de entendimento sobre nós mesmos, elevando o nível de conhecimento na mesma proporção com que as dúvidas foram acrescidas. Freud esclareceu áreas que antes estavam completamente na penumbra, mas sua maior contribuição foi, sem sombra de dúvida, ter legado à posteridade um instrumental poderoso com que perseguir as regiões ainda inteiramente desconhecidas.
Em outras palavras, a catalogação das miudezas do corpo humano teve que passar a lidar com categorias ainda mais delicadas, numerosas e complexas. Dali para adiante, foi necessário entender que para quantificar as divisões que trazemos dentro de nós era fundamental levar em conta inclusive divisões simbólicas, que não estão visíveis ou rigidamente delimitadas de maneira clara no mais complexo dos domínios, o da mente. Tudo o que ele fez foi dizer em claro e bom som que nós, modéstia à parte, não somos para principiantes.
Diferenciação entre Inconsciente e Subconsciente
As divisões entre consciente, inconsciente e subconsciente já se encontravam previamente estabelecidas bem antes de Freud e outros tantos que com seu trabalho e pesquisa contribuíram para que se desvendasse a questão. Por mais que essas e outras diferenciações tenham sido em certa medida criações teóricas, modelos de definição, todas essas divisões já estavam lá, atuando na cabeça de todo indivíduo, determinando padrões, programando comportamentos, induzindo posturas. Enfim, forjando o indivíduo in loco e justamente no recipiente que ele tem de mais íntimo e determinante de si.
A diferenciação entre consciência, subconsciência e inconsciência parece um arranjo bem articulado para os nossos padrões atuais, nos quais, por mais que distantes ou alheios ao tema, temos todos ao menos uma noção minimamente esboçada sobre o papel de cada um desses entes. Mesmo que não saibamos ao certo o que faz cada um deles, a simples menção desses nomes não nos causa arrepio. Na pior das hipóteses, é bastante provável que o ouvido de um cidadão médio dos dias de hoje já tenha ouvido tais termos em algum momento.
Não foi assim nos tempos de Freud e seus contemporâneos. Além dos fatos, documentos e eventos históricos ao nosso dispor, temos tudo para acreditar que essa diferenciação não foi exatamente a mais popular naquela época. Para os indivíduos de meados do século XIX, imaginar que a cabeça humana tem pulsões, instintos, desejos, pensamentos, reações e todo o arcabouço de faculdades mentais que passam ao largo da consciência deliberada é uma aposta e tanto no obscuro. O inusitado é que a psicanálise, a Psicologia e diversos estudos paralelos resolveram fazer essa aposta. E passados mais de cem anos, não há ninguém para dizer que eles não a tenham ganhado.
Mais do que mostrar a sua existência, o inconsciente foi paulatinamente sendo admitido como um imenso iceberg do qual o que julgamos consciência é apenas a ponta. Sim, por que por mais que toda a razão, que é a faculdade que nos define como animais racionais, tenha como base o consciente, esse domínio significa apenas a menor fração da mente humana. Perto dos latifúndios a perder de vista do inconsciente, a consciência não passa de um pequeno e pacato sítio.
A consciência pode ser definida como o apanhado de todas as faculdades mentais deliberadamente usadas, que sofre intervenções constantes do indivíduo portador daquela consciência. Nela estão reunidos o intelecto e todas as aquisições, habilidades e competências adquiridas ao longo da vida e das quais a mente pode dispor como bem entende. A racionalidade toma assento nessa consciência, embora o componente emocional, claro, seja também um importante integrante desse espaço.
No entanto, as coisas se embaralham um tanto quando saímos da consciência e adentramos nos domínios mais sombrios da subconsciência e da inconsciência. Sombrio, aliás, não porque as trevas sejam ali mais marcantes, mas porque mesmo com todos os avanços conquistados, esses dois mundos são em boa medida ainda pouco conhecidos.
O subconsciente congrega todas as experiências já vivenciadas pelo indivíduo, inclusive aquelas produzidas conscientemente. Lá estão armazenados todo o conteúdo que nos define, caracteriza e compõe nossa trajetória de vida. Como uma espécie de arquivo vivo, ele mescla conteúdos da consciência com produtos exclusivo do próprio subconsciente.
Por se tratar de um anexo da consciência ele não está tão distante dela, podendo inclusive ser acessado, desde que com muito cuidado e competência. E se falamos acima de catalogação, o subconsciente se presta a ser um imenso acervo para onde tudo vai mais cedo ou mais tarde. Sabendo que tudo que ali está pode ser aproveitado a qualquer momento, ele mantém esse acervo acessível, embora a lógica de arquivamento que é utilizada naquele espaço não seja tão fácil de ser decifrada pela mente consciente.
Qualquer possível displicência do consciente em dominar toda a experiência vivida e alcançada é suprida com o zelo e o esforço da subconsciência em acomodar tudo em algum lugar a fim de ser usado quando preciso for. Em suma, o subconsciente é um valoroso conselheiro que sopra mais ou menos para onde acha que deveríamos seguir, apresentando seus motivos com base em experiências pregressas que deixaram ali algum tipo de lição.
Até os instintos e seus reflexos por toda a vivência do indivíduo estão lotados no subconsciente. É lá que movimentos, reações, impulsos mais ou menos predeterminados e que nos fazem agir de tal ou qual maneira aguardam a sua vez para entrarem em ação. Antes que um comportamento se materialize na prática, é lá que ele estará e para lá que voltará depois de ser manifesto pelo indivíduo.
Esse esforço de armazenamento do subconsciente é tão válido que muitas vezes ele captura a memória, que está lá em algum lugar, mesmo que não consigamos acessá-la de imediato. Quando, por exemplo, você sabe que conhece aquela pessoa, já a cumprimentou pelo nome, mas não se recorda como ela se chama em um momento específico, estamos lutando para acessar uma informação que está de posse do subconsciente, mas como tentamos navegar apenas com os instrumentos dados pela consciência, a busca muitas vezes é inglória. E você se despede da pessoa que encontrou por acaso sem sequer se lembrar quem era ela. A informação vem à tona espontaneamente algum tempo depois, mais ou menos como um objeto perdido que do nada aparece naquele local que você jurava já ter procurado.
As lembranças que, como dizemos comumente, estão frescas na memória são aquelas das quais nos lembramos sem dificuldade e que saem quase que automaticamente. Só quando elas já ultrapassaram as barreiras da subconsciência, sendo permanentemente guardadas naquele espaço, é que se torna fundamental ter muito foco e concentração para acessá-las.
O inconsciente é o mais inóspito dos ambientes da mente humana. Ele é inerentemente refratário a quase todas as formas conscientemente orientadas de investida por ele. Isto é, ele por si só, desmobiliza ou faz com que dê com os burros n’água as explorações da inconsciência que sejam operadas apenas com os instrumentos da própria mente consciente. Isso porque o inconsciente é cheio de melindres e especificidades, e tentar navegar por suas águas sem antes pretender entender como exatamente ele atua é um convite ao erro.
É bastante curioso que o inconsciente seja tão insondável e impossível de ser domado, já que é ele o centro irradiador de quase tudo que se passa na nossa mente. Em uma abrangente interpretação do que seja a comunicação, por exemplo, podemos dizer que o inconsciente é responsável por cerca de 90% de todo o processo comunicativo que estabelecemos. Por isso, aliás, o Coaching Ericksoniano, do qual o Instituto Brasileiro de Coaching se tornou difusor, é das poucas estratégias efetivas de se estabelecer uma comunicação razoável com o indomável inconsciente humano.
Ele é naturalmente avesso a tentativa de explorá-lo justamente porque umas das funções do inconsciente, segundo Freud, é funcionar como um mecanismo de defesa da nossa mente. E isso que faz com que ele se feche, mostrando-se boa parte das vezes como hermeticamente impenetrável, e não raramente criptografando, por assim dizer, toda a vasta informação de que dispõe.
Essa atuação à maneira de anticorpos da mente é o que faz com que o inconsciente bloqueie, reprima e dificulte o acesso a todo conteúdo considerado como traumático. Mesmo os eventos que jamais aconteceram, mas que desencadeiam um componente com potencial traumático são cerceados por esse vigilância permanente exercida pelo inconsciente.
E se o acesso daquilo que está guardado no subconsciente já requer doses adicionais de esforço, trafegar pelas vias tortuosas da inconsciência que não permite amadorismos. Recorrer a especialistas e suas técnicas não é apenas um começo promissor para quem busca um autoconhecimento acima do trivial, mas é também um pré-requisito que aumenta consideravelmente as chances de sucesso na empreitada.