Sofrer, é só uma vez; vencer; é para a eternidade”. Esta poderosa frase do religioso, crítico social, teólogo e filósofo, Soren Kierkegaard, traz tanto significado ao tema que vamos tratar aqui, que considerei mais do que congruente utilizá-la para lhe propor esta reflexão inicial. Convido você a pensar no que ela representa.

Segundo o poeta dinamarquês, a angústia que gera em nós tanto sofrimento, é produto de um sentimento de medo. Este, por sua vez pode ser tanto temporário, criado em decorrência de questões mal resolvidas e que podem ser solucionadas com ações específicas, ou então, duradouro quando não passa, pois mesmo sofrendo, nós não ousamos encarar estes incômodos e superá-los.

A origem da palavra angústia vem do termo em latim angustĭa, que por sua vez representa: dor, desconforto, dificuldade, insegurança, ansiedade, medo e sufocamento. Tenho certeza de que só de ouvir este nome, seu corpo já começou a somatizar, relembrar de momentos angustiantes de sua vida e que certamente sentiu novamente um estranho incômodo. É exatamente isso que um estado angustiante provoca em nós, a sensação de um desconforto que nem sempre tem um significado consciente, mas que independente disso, nos tortura de forma sempre acintosa.

Por mais desconfortante que isso possa parecer, Kierkegaard, considerado o filósofo da angústia, defende que a dor por ela provocada, também tem seu lado positivo. De acordo com ele, este pesar revela que existe um desacerto, um desequilíbrio, um padecimento dentro de nós ou mesmo ligado a algo que nos incomoda muito no mundo ou nas pessoas à nossa volta. E, dependendo da forma como lidamos com isso, este sentimento vem e passa ou vem e fica.

O certo é que quando a sentimos sem saber conscientemente os motivos pelos quais estamos sofrendo, este mal-estar gera um desconforto gritante, que nos tira do eixo e nos deixa mais expostos a grande dor que ele provoca em nós. Eu já passei por isso e tenho certeza de que você também já se sentiu angustiado muitas vezes, não é mesmo? Com isso experienciou sentimentos ruins que mal sabia explicar, mas que estavam ali, gerando desconforto, medo e muita ansiedade.

Pegando este gancho, quero aproveitar para deixar algumas importantes reflexões, sobre as causas de sua angústia. Qual seriam uma, duas ou três coisas que te fazem se sentir atormentado hoje? Pensar a respeito é o primeiro passo para superar o sofrimento que isso provoca em você e para conquistar sua liberdade.

Segundo o filósofo austríaco, Ludwig Wittgenstein, um grande admirador de Kierkegaard, embora seja incontestável a sua existência na vida de todo ser humano, a angústia é uma “coisa”, um sentimento quase impossível de ser definido, explicado, conceituado. A ironia é que esta mesma aflição também tem o poder de nos aproximar, pois quando a minha dor também é a sua dor, não nos sentimos mais tão solitários em nossa agonia, o que gera um sentimento de pertencimento.

Os grupos de apoio são um exemplo disso, pois são lugares onde as pessoas com angústias e problemas em comum se reúnem para buscar, juntos, apoio emocional e formas de solucionar ou amenizar seu sofrimento. Em suma, estamos falando do autoconhecimento que até mesmo a dor tem a capacidade de nos proporcionar. Quando sofremos também podemos ver além do nosso próprio sofrimento, ao nos colocarmos no lugar de todos aqueles que passam por uma situação semelhante.

Liberdade Gera Responsabilidade que Gera Angústia

Para o grande filósofo existencialista francês, Jean Paul Sartre, uma das mentes mais influentes e brilhantes do século XX, a angústia esta diretamente associada à liberdade. Para ele, são as suas escolhas que tornam o homem aquilo que ele é. Portanto, o único responsável por suas ações e, pelas consequências das suas decisões, é o próprio homem.

Como as nossas escolhas afetam não somente a nossa própria vida, mas também a vida de todos aqueles ao nosso redor, para Sartre tudo que fazemos ganha um peso maior. Isso gera uma grande responsabilidade que, por sua vez, gera grande angústia também. Ao tomarmos a consciência de que nossas deliberações individuais afetam não somente o nosso destino, nós entendemos também que, embora tenhamos a liberdade para definir nossos próprios caminhos, ainda assim, somos os únicos responsáveis pelos impactos destas decisões também na vida dos outros.

Logo, esta responsabilidade torna a liberdade algo angustiante para o homem, pois ao mesmo tempo em que nós queremos ser os senhores de nossas ações, também não queremos que o ato de decidir se torne um fator a mais de sofrimento. Contudo, quem de nós pode negar sua própria angústia? Ou quem pode ignorar que sentindo, não sente um completo mal-estar quando está angustiado? Precisamos, na verdade, aprender a aprender com ela!

Por isso, acredito que ao mesmo tempo em que nossas escolhas podem nos trazer preocupação e inquietude, que não podemos nos furtar desta parte importante de nossa existência. Ainda que a responsabilidade seja pesada, decidir também é a forma que temos de nos libertar das nossas angústias e de seguir adiante sem elas. E mesmo que, mais à frente, surjam novos focos de sofrimento, a vida é feita de ciclos. Precisamos, então, buscar avançar e evoluir sempre um pouco mais a cada nova transformação, consciente ou inconsciente, que passamos.

Falo isso porque, com certeza, suas angústias de hoje não são as mesmas de 10 ou 20 anos atrás. Você mudou e suas dúvidas, certezas e pesares mudaram também. Foram estas inquietações que te trouxeram aqui ou mesmo que te limitaram em alguns momentos. Contudo, a angústia tem uma capacidade universal de sempre nos levar a uma ação, pois o ser humano faz tudo para não sofrer e, sofrendo, busca sempre uma forma de amenizar ou eliminar seu padecimento.

Claro, nem sempre tomamos as melhores decisões ou escolhemos o “remédio certo”. Ainda assim, a grande verdade é que, de uma forma ou de outra, o que todos nós queremos na realidade é curar a nossa dor. Álcool, drogas, remédios, comida, compras, sexo e jogos; são exemplos das válvulas de escape que também usamos para aliviar as nossas angústias. E para não enveredarmos por caminhos tortuosos como estes, é que o autoconhecimento se faz um elemento-chave para aprendermos a conviver com nossas dores, sem que elas tomem de conta da nossa vida e destruam a nossa essência.

“No veneno está o antídoto”, é o que sempre dizia o psiquiatra Milton Erickson. Ou seja, a dor pode revelar também o que falta para que sejamos mais felizes e completos. Sem ela, você não teria a possibilidade de desvendar seus incômodos e continuaria a não fazer nada a respeito daquilo que atormenta; aflige; tortura e limita você. Neste sentido, eu convido você a repensar em suas dores sob este novo viés e a perceber como transformar este sentimento em algo construtivo e que, verdadeiramente possa te ajudar a evoluir em todos os sentidos.

Angústia e Pertencimento na Constelação Familiar

Dentro do universo da Constelação Sistêmica, existem as chamadas 3 Leis Sistêmicas de Hellinger ou Ordens do Amor, o grande criador desta ciência. Estas por sua vez, são as bases da Constelação Familiar. Segundo Bert Hellinger, cada pessoa herda não apenas a carga genética de seus antepassados, mas também os comportamentos, histórias e crenças por eles cultivadas. Na prática isso quer dizer que a nossa família é uma fonte de energia poderosa que influencia diretamente em quem somos; na vida e nos resultados que nós temos hoje.

Esta energia, que Bert também chamou de inconsciente familiar, está presente em todos nós, reverberando através do tempo e de geração em geração. Vamos ver como isso se manifesta por meio de uma das leis – o Pertencimento, para que entenda como a angústia dos seus antepassados pode ser herdada também.

Bert Hellinger, afirma que todos tem o direito de pertencer ao seu grupo familiar. Isso quer dizer que mesmo que a pessoa cometa um crime grave, como um assassinato, por exemplo, ou que a sua reputação e confiança fiquem manchadas diante dos parentes, que ela jamais perderá o direito de fazer parte daquele grupo.  Exatamente por isso, se alguém é excluído da família, esta exclusão acaba gerando uma interferência negativa sobre todo o seu sistema. É como se a angústia de um, se tornasse a angústia de todos.

Este afastamento tem consequências graves para a família, pois mesmo uma atitude cometida no passado acaba reverberando nas gerações seguintes do clã. Assim, filhos, netos ou bisnetos podem sofrer com os mesmos problemas do parente excluído e, por conta desta energia de desconexão, também acabarem se excluindo em algum momento do seu ciclo familiar.

Isso acontece porque não é possível que a família consiga ser totalmente feliz, se uma decisão pretérita dos ascendentes causou profunda infelicidade e angústia num de seus membros. Neste sentido, podemos afirmar que é esta energia negativa que bloqueia e impede que um parente, agora ou no futuro, possa ter alegrias e sucesso também. Compreender isso é muito importante, pois muitas vezes buscamos no tempo presente as respostas para as angústias dos nossos clientes, sendo que, na verdade, elas estão mesmo é no histórico da sua família.

Portanto, para que a energia do parente excluído não continue impactando negativamente nas gerações atuais e futuras é preciso: honrar e respeitar sua história, evitar os julgamentos, perdoar e reincluir esta pessoa no seio familiar. Isso significa reconhecer e valorizar a sua existência e devolver-lhe o seu devido lugar e papel dentro da família.

Por mais simples que pareça, este movimento de reconhecimento do seu Pertencimento é muito importante para que os familiares possam se libertar de dores e angústias de seus antepassados que, como tal, não são suas, mas que estão lhes afetando negativamente e para que, finalmente, consigam construir uma história mais positiva e também mais feliz nesta e nas próximas gerações.

“Pertencer à nossa família é uma necessidade básica. Esse vínculo é o nosso desejo mais profundo. A necessidade de pertencer a ela vai além até da nossa necessidade de sobreviver. Isso significa que estamos dispostos a sacrificar e entregar a nossa vida pela necessidade de pertencer a ela.”, explica Hellinger.

Por fim, lembre-se sempre disso em seus processos terapêuticos e em sua vida pessoal, pois na maioria das vezes as respostas para às nossas angústias, sofrimentos inconscientes e, para aquilo que está atravancando nosso progresso pessoal, profissional, emocional, amoroso, financeiro ou mesmo espiritual: estão no livro de histórias passadas da nossa família. Procure conhecê-las mais afundo e, acima de tudo, ouse construir a sua própria história!

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