A relação de confiança estabelecida entre o Coach e Coachee numa sessão de Coaching demonstra o nível de envolvimento das duas partes e das inúmeras possibilidades de cocriação de novas estratégias e possibilidades de chegar ao estado atual.
Nessa relação dual, quando paramos para analisar técnica e cientificamente esse movimento podemos citar os conceitos junguianos de transferência e contratransferência, uma vez que enquanto Coach/Coachee estão em flow tornam-se extremamente vulneráveis e suas histórias se misturam de tal maneira que torna-se difícil dissocia-las.
A transferência possibilita ao Coach o estímulo que precisa para compreender e traduzir a linguagem do Self 2 de seu Coachee, pois quando há ausência desta comunicação o Coachee passa a não ouvir a “tradução” que fazemos de sua própria fala. A transferência, em verdade, dá ao Coach a prova mais convincente de que os desafios e as emoções são determinadas pela história de vida, crenças e valores do seu Coachee.
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O Conceito de Transferência
Para entendermos em profundidade este termo, é preciso conceituá-lo historicamente. Segundo Jung (1998), o termo foi utilizado pela primeira vez por Freud, como uma tradução da palavra alemã “Übertragung”; que literalmente quer dizer “carregar alguma coisa de um lugar para outro”. Metaforicamente, podemos associar à imagem de carregar de uma forma para outra, ou seja, transpor algo.
“O processo interno da transferência é uma forma específica do desenvolvimento mais generalizado da projeção”, esta é uma afirmação que permite encarar o processo de transferência como um mecanismo interno mais abrangente e involuntário no qual os conteúdos subjetivos são carregados sobre os objetos. É possível afirmar que é um tipo de projeção que usualmente ocorre na relação entre duas pessoas. (Jung, 1998, p.145).
Na Psicoterapia, conforme destaca Jung (1988), acontece um processo dialético entre o conteúdo inconsciente de duas pessoas, nesse momento eles entram em interação. No processo de Coaching ocorre o mesmo, Coach e Coachee estabelecem Rapport e seus conteúdos tanto do Self 1 quanto do Self 2 na totalidade se relacionam, ocasionando deste modo a dinâmica transferencial (Von-Franz, 1999; Penna, 2005). Ou seja, a interação é de quatro sistemas (entre consciente e inconsciente do Coach e inconsciente e consciente do Coachee), também pode ser entendida a partir da amplificação visual da transferência encontrada por Jung. (Perry, 2002).
A Influência do Flow na Transferência no Processo de Coaching
O Flow estabelecido em uma conversa de Coaching coloca o relacionamento entre Coach e Coachee em algumas linhas paralelas e não hierárquicas: linha 1 refere-se à relação consciente entre Coach e o Coachee, representando a aliança de confiança entre ambos. A linha 2 é a relação entre o Self 2 de um e de outro. A 3 é o relacionamento do Coach com o próprio Self 2, que, em tese deveria ser mais fluído do que de seu Coachee, esse “caminho” representa a linha 4. A penúltima, linha 5, é um canal que se abre para a projeção do Coachee (transferência), demonstra a necessidade subconsciente do Coach por parte do Coachee, assim como a tentativa do Coach compreender o inconsciente do Coachee. A linha 6 está diretamente relacionada à projeção do Coach no Coachee(contratransferência) e o acesso consciente deste ao inconsciente do Coach.
Num processo de Coaching, esta é uma dinâmica que se faz presente, de modo que pode tornar-se um foco de atenção. Quando percebido, a transferência é um dos fatores a serem trabalhados, junto com os conteúdos e o funcionamento interno do Coachee. Através deste movimento é possível perceber o que está sendo movimentado no Coachee, ao expressar o evento da transferência estamos compreendendo que algo importante está acontecendo no processo.
Em seus estudos, Penna (2005), conclui que os conteúdos das projeções transferenciais mostram que as áreas de crescimento da consciência são extremamente necessárias para o Coachee. Baseado do conteúdo e nas formas de uma transferência ocorre internamente o processo de autorrealização, denominado por Jung como individuação.
Perry (2002, p.150) aponta que Jung concebe a transferência como “uma dinâmica que possui a própria força propulsora voltada à individuação, já que ela possui elementos criativos para tal processo”. Na obra de Steinberg (1992) encontramos a ideia de que a transferência tem como finalidade oportunizar este processo de individuação e de consciência de modo que a unidade e da totalidade da pessoa possa ser conquistado.
No momento em que ocorre a identificação de questões prioritárias oriundas no relacionamento terapêutico, a transferência é um fator de extrema importância a ser trabalhado. Von-Franz (1999) aponta ser necessário entrar em contato com os aspectos transferenciais, senti-los e acolhê-los para, deste modo, conseguir refletir sobre todo e qualquer conteúdo que surja, sem que seja necessário reprimi-lo, em sua natureza, mas sim buscar compreender seus significados. Mas, Jung (1988; 1998) esclarece que na visão dele, não é necessário realizar a transferência para o Coachee chegar ao seu objetivo, uma vez que o material a ser trabalhado durante as sessões se for significativo, surgirá de outra maneira, como nos sonhos, por exemplo.
Transferência e a Contratransferência: Positiva e Negativa
Jung e os estudiosos que o sucederam elucidam que não há apenas uma forma da dinâmica transferencial ocorrer. Existem as transferências positivas, que em síntese, referem-se a um olhar de apreço do Coachee pelo Coach. Da mesma forma, a contratransferência positiva parece significar basicamente que o Coach “gosta” do seu Coachee. De forma contrária, a transferência e a contratransferência negativas, significam certo olhar de antipatia mútua.
Mas não é possível afirmar que a transferência e a contratransferência negativas sejam ruins para o processo, existem aspectos positivos nas duas polaridades desta dinâmica. Cabe ressaltar que na relação entre Coach/Coachee a dinâmica transferencial desenvolve-se desde a primeira sessão. No momento inicial, as projeções positivas podem ser importantes para promover o vínculo, o rapport para conexões necessárias ao desenvolvimento de uma extraordinária sessão.
Contudo, Steinberg (1992) alerta que apenas a transferência-contratransferência positivas podem favorecer a ocorrência da flow. “Sentimentos afetuosos pelo Coach podem levar ao estreitamento de laços de confiança tão intensos que o Coachee permite-se a uma autoexploração mais profunda” (p.56).
Há ainda, outras formas transferenciais. Fordham difere a contratransferência ilusória da sintônica. A primeira ocorre de forma independente à medida que os conteúdos inconscientes do Coach foram provocados pela situação criada durante a sessão. A segunda surge em reação ao Self 2 ,do Coachee, em que o Coach está em sintonia com o Self 2 do seu Coachee. (Stein, 2000; Perry, 2002).
A Dinâmica Transferencial
Durante as sessões de Coaching, dinâmica transferencial ocorre simultaneamente e nesta interação ambos são afetados. Metaforicamente, Jung (1988) exemplifica que o movimento transferência / contratransferência ocorre da mesma forma quando duas substâncias químicas se ligam: as duas se alteram. Isto ocorre porque muitas vezes o Coach assume ou se liga de maneira profunda com a demanda de seu Coachee que acaba por compartilhar com ele as dores e/ou alegrias. Através deste processo ocorrem alterações inconscientes no Self 2 e ambos se modificam (Perry, 2002).
Quantas vezes, no desempenho do papel como Coach, temos ciência de sentimentos angustiantes ocasionados por uma sensação de insegurança ou impotência. Em alguns casos, chega-se a imaginar que este movimento interno é negativo para o processo.
De fato o seria se o Coaching não fosse um processo de cocriação feito através de perguntas poderosas, ações assertivas que gerem mudança de mindset. Milton Erickson, em suas obras, nos adverte para o poder que o intercâmbio da vulnerabilidade possui. De forma efetiva, a cocriação favorece o aparecimento de uma terceira inteligência, que não é nem do Coach, nem do Coachee, mal algo construído naquela sessão para uma situação específica.
Ainda no campo da distinção transferencial, Machtiger (in Stein, 2000, p. 67) alerta sobre a dificuldade de distinguir a transferência e contratransferência ilusória e sintônica, “uma vez que neste processo Coach e Coachee não podem ser tão claramente separados”. Esta aparente dissociação, torna pouco possível apontar com certeza quem é o possuidor deste ou daquele conteúdo inconsciente no processo de transferência / contratransferência, igualmente é quase improvável saber quem está no estado reativo a quem ou a o quê (o Coach está reagindo ao inconsciente do Coachee ou ativando-o? E vice-versa.). Para Stein (2000), todo movimento contra ou transferencial também é dual: ativo e reativo; ilusório e sintônico ao mesmo tempo.
Transferência Pessoal e Arquetípica
Com essa conceituação inicial, nos propusemos a esclarecer esse fenômeno tão comum nas sessões de Coaching, para então tratarmos da transferência pessoal e arquetípica, conceituadas por Jung. Steinberg (1992) esclarece que a primeira está relacionada aos conteúdos infantis, do Self 2 pessoal do Coachee, que são projetados no Coach durante os atendimentos.
As ideias de Freud eram utilizadas para analisar esse movimento, contudo, eram extremamente redutivas. Partindo dessa premissa, Jung observou o desenvolvimento da personalidade transferida era mais amplo e precisava de elementos específicos para análise. Seu método construtivo ou sintético, que tem como pressuposto os conteúdos universais, a consciência coletiva, que foi estruturada a partir de alguns padrões de comportamento da humanidade é a chave para analisar a transferência como um fenômeno arquetípico.
Seguindo este raciocínio, Jung apontou para o tratamento da transferência em quatro estágios (Jung, 1998):
1º- Conscientização do Coachee acerca das projeções que realiza sobre as figuras que representam autoridade em sua experiência individual; dos seus valores, e desse modo, perceber o quanto todas esses aspectos fazem parte dele próprio.
2º- Dissociação entre conteúdos pessoais e impessoais. As projeções pessoais podem ser analisadas e cuidadas, mas as impessoais não passam por esse processo, pois pertencem aos elementos estruturais do Self 2.
3º- Diferenciação do relacionamento pessoal com o Coach dos fatores impessoais, arquetípicos.
4º- Objetivação das imagens inconscientes, para que o Coachee encontre maneiras de se relacionar com essas imagens de acordo com a função que eles desempenha de modo a viver plenamente em contato com seu Self.
Com o objetivo de ampliar a possibilidade de compreensão do movimento de transferência e contratransferência, Von-Franz (1999) aborda quatro aspectos principais que envolvem essas dinâmicas. Cabe ressaltar que em um processo de Coaching, não necessariamente há vivência de todos eles.
Primeiro estágio: identidade arcaica – é marcado por um momento que antecede o reconhecimento das projeções. Trata-se de um estado de aceitação, suspensão do julgamento por parte do Coach, pois ele e o Coachee ainda não estão vinculados profundamente por aspectos conscientes ou ainda, por defesas de um ou de outro.
Segundo estágio: projeções mútuas – ocorre naturalmente e não precisa ser objeto de debate específico, tanto no caso das projeções pessoais quanto das arquetípicas. A ação do Coach deve ser norteada pela necessidade de seu Coachee, atuando então na transferência e não a transferência.
Terceiro estágio: relacionamento pessoal – neste ponto os elementos internos tendem a estar mais organizados e podem favorecer o relacionamento pessoal ou mesmo a amizade. Mas isso pode não ocorrer com todos os Coachees, pois esta relação depende da distância a ser encontrada entre cada indivíduo em sua singularidade. A medida ideal a ser encontrada é descoberta após algumas tentativas.
Quarto e último estágio: união predestinada na “eternidade – neste ponto é possível observar uma profunda experiência do Self, a união interna incapaz de ser compreendida pelo Self 1, mente consciente, mas passível de certa compreensão pelo Self 2, este completo estado de flow pode acontecer em alguns momentos da sessão e desaparecer no próximo.
Faz-se necessário concentrar esforços para observar a reação do Coach na contratransferência, pois todo Self do Coach está envolvido no processo de transferência / contratransferência. Assim, é possível afirmar que a contratransferência pode estar ligada à transferência do Coachee sobre o Coach, seja por meio de conteúdos pessoais ou arquetípicos (Steinberg, 1992).
No momento em que o Coach apresenta menos defesas, torna-se mais vulnerável e assim será capaz de produzir imagens, sentimentos e pensamentos inconscientes no paciente, absorvido através do seu sistema de crenças e valores pelo Self 2, centro direcionador da mente inconsciente. O próprio Coach poderá perceber esta dinâmica a partir do relacionamento que estabelece com seu Self 2, antes mesmo que o Coachee se conscientize de sua existência. A partir da compreensão dos valores e crenças que norteiam as ações do Coach será possível entregar ao Coachee um conteúdo que possa ser integrado, já que o conteúdo inconsciente do Coachee também é projetado no Coach durante a sessão e a entrega deste deve ser passível de integração para quem o recebe. (Steinberg, 1992, p.33).
No decorrer das sessões de Coaching, a transferência pode ser sentida através das manifestações corporais e do senso de percepção do Coach. A partir delas é necessário estabelecer um rapport e a partir dele, consegui compreender o que o Coachee está oferecendo, mas que precisa ser integrado.
Para Stein (2000) este tipo ou padrão de contratransferência é denominada xamânica e pode ser explicada da seguinte forma: os Coaches muitas vezes entram tão profundamente na história de seus Coachees que se deixam até contaminar pelas dores dele, a partir daí, curam-se a si mesmos e são capazes de administrar seu próprio remédio ao Coachee através da influência. Este é um processo muito sutil e complexo que contém em si uma espécie de combinações alquímicas de elementos conscientes e inconscientes.
Existem ainda, outros dois padrões arquetípicos de contratransferência analisados por Stein, (2000, p.77): a maiêutica e o de poder. No caso da maiêutica, como o próprio conceito já aponta, trata-se de agir como, metaforicamente, uma parteira no processo de nascimento interno em que algo mais justo, profundo e amplo em relação aos antigos padrões conscientes, cresce no Coachee.
Os Coaches “posicionam-se como assistentes no decorrer de um processo criativo que se acontece dentro de seus Coachees. Esta abordagem coincide diretamente com a essência do Coaching: não oferecer pré-conceitos e respostas prontas, mas sim conduzir o Coachee no processo dele. Nessa dinâmica, as trocas principais que acontecem entre os dois estão baseadas na criatividade e na consciência de crenças e valores pelo Self 2.
O padrão arquetípico de poder refere-se à atuação do Coach no sentido controlar, assumir o comando da situação e levar o Coachee a obter as respostas que procura. Arriscamos dizer que este comportamento pode ser tanto positivo quanto negativo ao processo de Coaching, a polaridade dependerá dos motivos que levam o Coach a realizá-lo e da maneira como isso é feito. O Coach deve se questionar quanto à intencionalidade, uma necessidade ou desejo próprio, ou o Coachee precisa, em certo momento, deste tipo de posicionamento? Para compreender a contratransferência é necessário fazer este tipo de questionamento.
É preciso que o Coach esteja atento, pois em todos os tipos de contratransferência ele pode correr o risco de projetar no Coachee os próprios conteúdos do Self 2, que podem distorcer a percepção e a intervenção assertiva do Coach. Em outra instância, podem ainda, gerar a necessidade de compensação do Coachee, neste caso é preciso avaliar se pode ser positivo ou negativo para o processo dele.
Tendo em vista que somos seres duais, caminhamos com nossa luz e nossa sombra. Em um processo de Coaching, é preciso ter consciência das próprias sombras de modo que elas não figurem no momento de contratransferência e influenciem de modo negativo o Coachee. Von-Franz (1999) alerta que a sombra está geralmente envolvida na relação transferencial e pode influenciar de maneira positiva ou negativa no processo do Coachee a partir da compreensão da intencionalidade. É preciso cuidar para que ela não tome o lugar do amor genuíno e atue como seu poder destrutivo, falante do Coach.
Nesse sentido, o autoconhecimento é a base que dará condições de analisar de forma consciente o que pertence ao sistema de crenças e valores do Coach e o que é do sistema do Coachee, só assim, será possível compreender as reações e atitudes presentes na dinâmica contratransferencial. Conhecer seu Self e ser capaz de perceber se algum sentimento esteve diante da situação, afetou ou entrou em contato com algum complexo arquetípico é crucial para o desenvolvimento de um processo de Coaching que levará o Coachee a conquistar seus objetivos e também o autoconhecimento. (Steinberg, 1992).
Partindo do conceito de Psicogeografia utilizado nos processos de Coaching, o Coach fica fisicamente numa relação muito próxima com seu Coachee, isto permite que os dois fiquem em profundo estado de flow, nesse momento, em que a conexão é extremamente profunda, ocorre o encontro da inconsciência mútua, neste ponto, ambos fornecem e recebem estímulos inconscientes. “Na complexidade desta relação, não há fatores genuinamente individuais ou internos que não sejam passíveis de sinapses com a personalidade do Coachee” (Stein, 2000, p.71).
Podemos perceber que os Coachees são extremamente sensíveis às contratransferências quando a demonstram aos seus Coaches através de fantasias, sonhos, associações e comentários indiretos. É possível também o Coach coletar as próprias fantasias, sonhos e associações quanto está em contato como o material de seu Coachee na intenção de examiná-los, pois de acordo com Perry (2002), o Self constela a sincronicidade das fantasias entre duas pessoas.
Além de todos os aspectos abordados, Stein (2000), aconselha examinar qualquer tipo de contratransferência, a partir da distinção entre reação, atitude e fases. Ele denomina atitude como um “conjunto palpável e persistente de imagens, valores e padrões de raciocínio conscientes e inconscientes, uma estrutura psicológica que atravessa longos períodos de tempo e está presente antes de determinada análise, durante ela e depois dela” (p.80-81). Estas imagens têm seu berço na infância e estão baseadas num fundo arquetípico no qual a natureza (pai, mãe, herói…) está a serviço dos sistemas particulares que fundamentam a atitude.
O conceito de reações de contratransferência está baseado principalmente em complexos do Self 2 e não são sujeitas ao controle consciente. São ações fugazes e com tempo determinado, duram alguns minutos de uma sessão ou até algumas sessões, ou podem ainda, ser restritas a certos tipos de pessoas. Cabe aqui uma distinção entre reação e atitude, esta é reativa, tem a intenção de dar uma resposta a uma perturbação que a transferência causa e geralmente advém de um campou dotado de certa limitação inconsciente do Coach, mas que pode ser dissolvida durante o processo.
Na contratransferência, as fases têm uma duração maior quando comparadas às reações, mas em geral, estão contidas na base da atitude, que perduram por uma fase do processo de Coaching. Em alguns processos, pode haver períodos em que a atitude do Coach muda muito pouco e, sem que seja perturbada ou rompida, é incrementada por uma nova atitude.
Von-Franz (1999) propõe que a tomada de consciência destes aspectos particulares que estão agindo na relação com o Coachee, pode torná-lo livre para caminhar rumo ao seu próprio processo de individuação, e não mais ficar preso no sistema de crenças e valores do Coach. Uma vez livre, de posse das estratégias e ciente de seu processo de autoconhecimento, o Coachee pode regular-se naturalmente (Stein, 2000). Da mesma maneira, este movimento permite ao Coach se conhecer como um profissional único, capaz de identificar suas potencialidades e as dificuldades na sua atuação.
Jung (1988) diz que a troca, a possibilidade de cocriação que existe entre duas pessoas favorece um processo evolutivo individual. O crescimento, para Penna (2005), ocorre principalmente na supervisão, local favorável para a conversa, novas conexões e a experimentação, além de permitir que se obtenha uma compreensão sobre si mesmo, sobre o Coachee e a relação estabelecida no processo de Coaching.
Perry (2002) utiliza uma metáfora muito interessante para tratar sobre o trabalho dos alquimistas e a sala de atendimento e o espaço de supervisão do Coach. Para os alquimistas o trabalho era visto como uma divisão conectada entre o laboratorium (“local de trabalho”), em que seus ensaios e experimentos eram realizados, e o oratorium (“local para o discurso”), que além de um espaço físico, um espaço para a reflexão e meditação da alma acerca do trabalho de transformação realizado. Ao longo da história, o oratorium transformou-se em temenos (“espaço sagrado”) dentro ou fora da supervisão, em que o Coach “examina e supervisiona” (super-videt) sua experiência inconsciente do Coachee. Tal experiência subjetiva significa a contratransferência e o espaço de supervisão é visto como um local sagrado.
Em síntese, discutimos estes conceitos com a intenção de refletir e iniciar uma interpretação consciente sobre a dinâmica trans e contratransferencial com o Coachee, pois é imperioso que cada Coach esteja atento às questões levantadas a fim de verificar quando será o momento para que isso ocorra. Esta avaliação vai depender de um lado do Coach e de outro do Coachee (Stein, 2000). Jung nos ensina (in Steinberg, 1992, p.23), que “o ponto de vista a adotar em cada caso deve ficar por conta da intuição e da experiência do Coach”.
Durante a nossa atuação como Coaches, podemos nos enxergar experimentando essa dinâmica e nos permitir conhecer cada vez mais esse funcionamento. Afinal existe um poder no intercâmbio da vulnerabilidade, quanto mais nos mostramos humanos em nossos atendimentos, mais nossos Coachees permitem que acessemos seu mundo a fim de compreender o sistema de crenças e valores, compartilhar ideias e cocriar novas possibilidades frente ao desafio colocado. Como afirma Jung (1988, p.308-309):
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