Segundo o psicanalista e escritor francês, Jean-Bertrand Lefebvre Pontalis – “O espaço potencial é um terreno de jogo, de fronteiras indeterminadas, que faz nossa realidade.” Já o próprio criador do conceito, o pediatra inglês e também psicanalista, Donald Woods Winnicott, o descreveu como – “Fator altamente variável de indivíduo para indivíduo, ao passo que as outras duas localizações – a realidade pessoal ou psíquica e o mundo real – são relativamente constantes, uma delas sendo determinada biologicamente e a outra, propriedade comum.”

O espaço potencial é, portanto, uma zona que vai além, ou seja, que não reduz o sujeito a uma realidade interna ou externa. Neste local de criação, a pessoa não é limitada a um significado único para o que vive, sendo que aqui ela consegue expandir suas possibilidades por meio do exercício constante de sua criatividade, o que lhe dá a oportunidade de trabalhar suas habilidades e emoções, de modo a evoluir e desenvolver-se continuamente.

Com isso, a partir do momento em que o indivíduo se permite ver o mundo de novas maneiras, novas formas de ser e viver acabam emergindo também. Neste processo, iniciado na infância, a figura da mãe tem um papel fundamental na formação da criança e de sua relação com seus sentimentos e com o mundo ao seu redor.

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Espaço Potencial Entre Bebê e a Mãe

Quando se trata da relação criança e mamãe, Winnicott afirma: “O brincar tem lugar no espaço potencial entre o bebê e a figura materna. Brincar desenvolve-se no espaço potencial de acordo com a oportunidade que o bebê tem de experienciar separação sem separação, e sua iniciação está associada com a experiência do bebê em desenvolver confiança na figura da mãe.”.

Assim, podemos afirmar que o espaço potencial entre o filho e mãe, a família e entre a pessoa e a sociedade está diretamente relacionado ao seu nível de confiança. Aqui entra o conceito de objeto e fenômeno transicionais, onde Winnicott explica os processos de transição, quando a criança passa a não depender mais totalmente da figura da mãe e assim consegue conquistar maior independência e autonomia em relação a ela.

Com isso, a criança consegue começar a explorar novos contextos, a vivenciar suas próprias experiências, imaginação e a construir a sua imagem individual do eu, não mais unificado com o “eu” de sua mãe, representada apenas por si mesma. É nesta fase que a mãe também deve abrir mão do controle onipresente sobre o filho e começar a dar-lhe a liberdade necessária para que viva suas primeiras frustrações, constituindo desta forma seu espaço potencial.

Neste sentido, de acordo com Winnicott – “É a paciência da mãe que permite ao bebê ir aceitando o inevitável. E o inevitável é a percepção de que há duas pessoas, não duas metades que formam um todo.” Isso, com certeza, é essencial, pois marca o início da formação da criança como indivíduo, experiência que terá um papel fundamental em toda sua vida. Entretanto, é importante ressaltar que este processo não ocorre de maneira linear, mas sim por meio de uma combinação de fatores relacionais, ambientais e sistêmicos.

Contudo, como também ensina Bogomoletz, para que o espaço potencial verdadeiramente exista é preciso, antes de tudo, fazer uma separação do outro de nós mesmos. Ou seja, é necessário criar um espaço onde cada um seja o sujeito principal.  Para esclarecer melhor esta importante questão, o especialista explica que – “Na relação simbiótica não há um “primeiro” e um “segundo”. As duas partes da relação não se percebem como indivíduos, como entidades separadas, como pessoas inteiras.”.

Bogomoletz ainda completa sua explicação dizendo que – “Neste tipo de configuração humana percebe-se duas pessoas que não se percebem duas pessoas, e sim uma espécie de gêmeos siameses, entre as quais existe uma ligação invisível, como se fosse um cordão umbilical fantasma, que as une e as impede de existirem independentes (fisicamente) uma da outra. Esta condição “física” torna-as psicologicamente inseparáveis, fusionadas e, portanto, inexistentes enquanto unidades individuais.”.

Para entendermos com mais clareza esta questão, imagine que nem sempre para a mãe existe uma divisão clara entre ela e o seu bebê. Assim, por determinado tempo ou, às vezes, indefinidamente, ela pode imaginar que ambos são realmente um só e alimentar este tipo de relacionamento dependente. Até certa idade, dos quatro aos seis meses, por exemplo, isso é essencial para a sobrevivência e proteção do neném. Porém, quando passa esta fase e a mãe ainda sente dificuldades em dar à sua criança o espaço necessário à vivência de novas experiências e de apresentá-la a um contexto de dependência mínima, isso pode minar completamente seu processo de amadurecimento e construção de confiança e independência. Logo, a criação do seu espaço potencial também fica comprometida, uma vez que a criança não aprende a diferenciar o “não eu” do “eu” e a superar a fase de onipotência.

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O Reconhecimento do “Eu”

É nisso que também acredita Safra. Segundo sua análise do tema, o desenvolvimento do espaço potencial é realmente essencial à construção do self, ou seja, do “eu” de cada um de nós. Portanto, como destaca – “À medida que interage com o outro – a mãe, primeiramente; mais tarde, o analista, o professor, o amigo – o indivíduo pode entrar em contato com diversas subjetividades por meio de manifestações culturais como: a música, o texto, o diálogo, enfim, a presença humana, que enriquece e complementa.”, explica.

Por fim, de acordo com os estudos e teorias de Winnicott – “O espaço potencial pode ser visto como sagrado para o indivíduo, porque é aí que este experimenta o viver criativo”. Isso porque é nele que a pessoa experimenta verdadeiramente sua criatividade, sua conexão com o ambiente interno e externo e, especialmente, onde pode vivenciar todas as facetas do seu “eu”, sendo ali o protagonista da sua história e principal articulador de suas ideias e sentimentos.

Estar atento a isso é muito importante para entender como a pessoa que estamos atendendo se relaciona com seu espaço potencial e, como as suas experiências de infância, consolidadas ou não, impactam em seus comportamentos, emoções e resultados atualmente. Portanto, compreender este passado é o primeiro passo para apoiar o individuo a transformar seu presente e a conectar-se com o futuro melhor que anseia e merece ter.