Diferentemente do tradicional estado de entorpecimento, a forma de hipnose desenvolvida por Milton Erickson pode ser ativada por mecanismos de linguagem que abrem ao hipnoterapeuta um acesso a aspectos, muitas vezes, restritos ao inconsciente. Ele segue a linha das terapias com foco na fala, na linguagem, na indução pela palavra, mas, mesmo nesse campo, ele tem suas peculiaridades.
Esse novo padrão estabeleceu ainda condições para que fossem criadas estratégias psicológicas direcionadas à mudança de estado do paciente, isto é, criam condições para que transformações aconteçam na vida de quem entra em contato com esse processo. Isso dá ao terapeuta e ao paciente uma ferramenta única para condicionar alguns mecanismos psíquicos, provocando determinadas reações a estímulos, sejam esses acontecimentos, pensamentos, falas etc.
Essa aplicação prática, capaz de propiciar uma autoimpulsão de proporções incalculáveis, é o que faz a linguagem ericksoniana ser uma aliada quase natural do processo de Coaching, que nada mais é do que a identificação, pelo coach e pelo coachee, das forças que podem ser mobilizadas para que se chegue ao estado pretendido.
O fato de Erickson ter se dedicado tanto ao uso de técnicas e mecanismos, que predispõem diversas formas de tratamento e superação de quadros clínicos adversos, pode ser explicado por sua saúde sempre bastante fragilizada, sobretudo por uma poliomielite contraída aos 17 anos que deixou marcas profundas em sua vida.
No cruzamento da sua vida profissional com a pessoal, a procura por melhores formas de tratamento foi sempre acompanhada da evidência de que seu próprio corpo era a demonstração das necessidades de um ferramental terapêutico apurado, bem como o melhor terreno para testá-lo.
Pode parecer algo extremamente limitante para um jovem, por volta dos 19 anos, ter que permanecer em uma cama durante meses, atacado por uma doença e com uma severa redução na sua mobilidade. Mas, agindo como cabe a um bom coach fazer, Erickson transformou isso em um ativo, aproveitando a oportunidade para refletir sobre o comportamento humano e as variadas formas de comunicação não verbal.
Erickson por Erickson
Na tese de doutorado defendida, na Universidade de São Paulo, pela Dra. Regina Azevedo, há um interessante trecho, traduzido por ela, em que o Dr. Erickson relata sua deficiência:
Um ataque de poliomielite anterior a 1919, logo após ter-me graduado no curso secundário, tornou-me quase totalmente paralítico por vários meses, mas com minha visão, audição e pensamentos intactos. Enquanto estive em quarentena na casa da fazenda, havia pouca diversão disponível. Afortunadamente eu sempre me interessara por comportamento humano e havia muita gente para observar por lá. Minha incapacidade de me mover restringiu a intercomunicação, tanto de minha parte quanto das outras pessoas em relação a mim. Embora eu já soubesse alguma coisa sobre linguagem corporal e outras formas de comunicação não verbal; ficava assombrado ao descobrir as frequentes – e, para mim, muitas vezes surpreendentes – contradições entre a comunicação verbal e não verbal num simples colóquio. Isso estimulou muito meu interesse e eu intensifiquei minhas observações em cada oportunidade. Regina Azevedo
Parte das técnicas por ele desenvolvidas, entre elas a do rapport e a do espelhamento, teve um verdadeiro campo para observação e análise durante o período em que ele esteve acamado. Praticamente desobrigado de quaisquer afazeres e impedido de movimentar-se livremente, Erickson, que havia recém-concluído os estudos secundários, viu-se na fazenda em que convalescia, com a possibilidade de reunir informações e constatações acerca dos comportamentos das várias pessoas que estavam à sua volta. E isso foi decisivo para ditar os rumos que sua vida e seus estudos seguiriam.
Com a autoimposição de trabalhar psiquicamente para recuperar a força corpórea que lhe faltava, Erickson concentrava-se diariamente em retomar habilidades motoras nos mais simples movimentos. A obstinação por esse objetivo o conduziu, inclusive, a uma viagem em uma canoa por cerca de mil milhas, como parte dos exercícios assumidos para a sua recuperação.
Se na ciência em geral, e, em particular, na Psicologia, ele se notabilizou por superar barreiras, o mesmo deve ser dito da sua vida pessoal, a qual Erickson sempre tratou, em sua condição limitante, como um convite para trabalhar a criatividade e as habilidades intelectuais.
Disléxico, com um desenvolvimento intelectual e cognitivo tardio, com uma visão comprometida pelo daltonismo (a única cor que ele conseguia discernir era o roxo, que, por isso, tornou-se sua cor preferida e de referência), com limitações motoras por todo o corpo em decorrência da poliomielite e sem poder falar durante um bom tempo, não se pode dizer que tenha sido sem esforço que Erickson se tornou uma referência no campo de estudos que escolheu abraçar.