Quem nunca errou que atire a primeira pedra. Até mesmo a Bíblia, nas palavras de Jesus Cristo, aborda a questão do erro sob um ponto um pouco mais flexível. Infelizmente, porém, nem todos conseguem lidar adequadamente com as próprias falhas.
Basicamente, temos dois caminhos a percorrer: a autopunição e a autoaprendizagem. Por muito tempo, o primeiro imperou na sociedade, mas a verdade é que, até hoje, ainda existem pessoas que funcionam exclusivamente sob esse sistema. Assim, ignoram a “parte boa” do erro, que é exatamente aquilo que podemos aprender com ele.
Vamos compreender melhor essas duas perspectivas distintas na sequência.
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Abordagens tradicionais para o erro
Quando pensamos em erro, desde a infância, há um universo de situações, palavras e atitudes extremamente negativas associadas a ele:
- O pai e a mãe gritando com a criança que fez algo que não devia;
- O professor que expõe para a turma que a resposta dada pelo aluno está incorreta;
- O X vermelho ao lado da resposta errada na prova corrigida;
- O chefe que ameaça o funcionário de demissão por ter feito algo inadequado;
- O namoro que termina devido a um erro cometido por um dos envolvidos;
- O dinheiro perdido no banco por um investimento feito sem planejamento.
Perceba que, em todas as situações da vida, o erro está automaticamente associado a consequências negativas. É claro que isso é importante e adaptativo, pois nos ajuda a entender que aquela atitude não foi adequada e que, por isso, precisamos evitar repeti-la. É melhor que a criança que decide colocar o dedo na tomada se assuste com a bronca do pai do que com o choque propriamente dito.
O problema é que nem todo erro é assim tão grave. Ao longo do tempo, nós podemos identificá-lo e lidar com ele de forma mais construtiva, sem que seja necessário punir-se.
O erro como motivo para punição
Punição. Castigo. Penitência. Perceba que essas palavras, desde muito cedo, fazem parte da vida da maioria das pessoas. O erro é “demonizado” na família, na escola, em diversas religiões, e por aí vai.
Talvez seja por isso que muitas pessoas acreditem que merecem ser castigadas para que possam “se livrar” da culpa pelas suas ações. Talvez seja também por isso que muitos pais e educadores apliquem castigos às crianças como forma de evidenciar que elas fizeram algo de errado.
Assim, o aluno que tira nota baixa na escola fica uma semana sem poder brincar no seu videogame. Essa medida é tomada por muitos pais porque acreditam que o sofrimento pela privação de algo bom gera uma memória emocional forte, a fim de evitar que aquele estudante repita o mau desempenho escolar, passando a estudar mais para as próximas atividades avaliativas.
Dessa forma, seja por questões religiosas, seja por questões educacionais mais antigas, a punição ainda é algo muito comum quando alguém comete um erro. O próprio sistema prisional é baseado nessa lógica. Mas será que a punição de fato resolve e evita a recorrência de erros?
A importância de mudar de perspectiva
Quando alguém é punido por um erro, essa pessoa pode até adquirir um novo comportamento e evitar cometer as mesmas atitudes que foram consideradas equivocadas. No entanto, precisamos diferenciar o condicionamento adquirido por medo do real aprendizado.
Voltando ao exemplo da criança que ficou sem videogame por ter tirado uma nota baixa na escola: ela até pode usar esse castigo como uma motivação para estudar mais nas próximas semanas. Mas será que isso é saudável? Será que é inteligente que o seu filho estude tendo como única motivação evitar um castigo?
A punição talvez seja importante em algum nível, mas, sozinha, ela não faz milagre. Se esse estudante, em algum momento da vida perder o interesse pelo videogame, ele poderá voltar a ter maus resultados escolares?
É isso o que nos leva a uma constatação importante: a punição por si só não se sustenta. Uma mudança verdadeira vem da compreensão. Por isso, não basta tirar o brinquedo do filho, é preciso explicar a ele, da forma que lhe por possível compreender, o quanto os estudos são importantes.
Isso vale para qualquer pessoa, independentemente da idade que tenha ou da área da vida em que esteja errando. Você pode aplicar uma punição a si mesmo, por exemplo, tirando a sua sobremesa favorita quando tiver faltado à academia. Todavia, o melhor mesmo é refletir sobre o porquê de ter faltado à academia ter sido um erro: prejudicar a sua estética, a sua saúde física, a sua saúde mental etc. Em outras palavras, precisamos aprender pela lógica e pela racionalidade, e não pelo medo.
Punir a negligência, e não o erro em si
Outro assunto que precisa ser adequadamente esclarecido dentro do conceito de punição é o que exatamente está sendo punido. O filósofo Mario Sergio Cortella afirma que “Erro não é para ser punido. Erro é para ser corrigido. O que deve ser punido é a negligência, a desatenção, o descuido”.
Fazer essa diferenciação é muito importante. Se um estudante teve um desempenho escolar ruim por uma dificuldade natural dele, e não por falta de esforço, ele merece ser punido? Nesse caso, o erro ocorre pela dificuldade da pessoa, o que acontece com todo mundo. Ninguém é expert em tudo, de modo que todos vamos cometer erros, especialmente nos temas que nos pareçam mais complexos.
É diferente da situação do aluno que não estuda, não presta atenção às aulas, não faz as tarefas de casa, não tira as dúvidas que surgem e assim, fatalmente, recebe uma nota vermelha. Nesse caso, qualquer castigo que esse estudante venha a receber não diz respeito aos erros que ele tenha cometido na prova, mas durante todo o seu processo de estudar, ou seja, a sua falta de comprometimento, disciplina etc.
Na vida adulta, precisamos seguir a mesma lógica. O erro não está simplesmente no resultado final, mas no processo equivocado que adotamos e que nos conduziu a ele. Se você se machucou na academia porque levantou muito peso, por exemplo, o erro não está no peso ou na academia, mas no seu comportamento de desconhecer ou ignorar as próprias condições físicas. Pense que isso pode ser aplicado em qualquer área da vida!
O erro como parte do processo de aprendizagem
Vamos conhecer uma breve história. Havia uma mulher chamada Clara que sempre alegava decepcionar-se e ser infeliz no amor. Cada vez que conhecia um homem bonito ou simpático, ela automaticamente pensava ter encontrado o amor da sua vida. Apaixonava-se, fazia planos, pensava em casamento. Até que, algum dia mais tarde, ela percebia que aquele homem não era assim tão perfeito. Ele cometia algum erro, e ela terminava a relação decepcionada.
Com o passar do tempo, Clara percebeu que, por mais que esses homens errassem, o erro também era dela. Ela confiava demais nas pessoas e “mergulhava” em relacionamentos sérios sem ter tempo o suficiente para conhecer esses parceiros. Julgava as situações de forma superficial e depois se decepcionava. De tanto cometer esse erro, Clara passou a ser mais cautelosa e serena, permitindo-se conhecer mais a fundo um novo pretendente antes de pensar em relacionamento sério.
A história de Clara nos mostra algo que parece óbvio, mas que muita gente ignora: errar gera aprendizados, desde que estejamos atentos. Se algo dá errado na sua vida, você precisa se questionar: por que deu errado? Muitas vezes, é cometendo sucessivos erros que, por eliminação, acabamos encontrando o “jeito certo”, ou ao menos o mais adequado.
Na escola, é muito comum que, de tanto errar a escrita de uma palavra, finalmente aprendamos a sua ortografia, ou que de tanto errar um problema de matemática, finalmente aprendamos a maneira lógica de resolvê-lo. O erro é uma fonte de aprendizado!
Erro e autoconhecimento
Se o erro é uma fonte de aprendizado, será que ainda vale a pena falar em punição? É claro que ninguém gosta de errar e que o erro quase sempre traz consequências negativas. Todavia, se a pessoa for atenta e analisar o que aquela situação desagradável tem a ensinar, finalmente ela poderá mudar de estratégia até encontrar um jeito mais proveitoso para agir.
Em outras palavras, não se sinta culpado por errar. Em vez de punir a si mesmo como se o erro não fosse um direito, acalme-se e analise o que você poderia ter feito de forma distinta. Isso sim o levará a uma evolução expressiva, mais do que o medo provocado pelas punições.
Se você analisar os erros que cometeu ao longo da vida, como os exemplos já citados ao longo deste artigo, certamente extrairá deles muitas lições. Por isso, tanto quanto os acertos, as falhas que cometemos também ampliam os nossos horizontes de autoconhecimento. Elas nos mostram o que não sabemos, o que precisamos aprender, as virtudes que ainda nos faltam, as falhas que precisamos corrigir, e por aí vai.
O autoconhecimento frequentemente inclui os nossos conhecimentos, habilidades e qualidades, mas também precisa incluir os nossos pontos de melhoria. Por isso, não tenha medo de errar. Isso faz parte do processo e nos ajuda a descobrir tais pontos de melhoria, de modo que saibamos em que devemos prestar atenção para obter melhores resultados nas diferentes áreas da vida.
Lidando com o erro no ambiente de trabalho
Especificamente citando o ambiente de trabalho, é importante que as próprias empresas criem um ambiente de maior tolerância ao erro. É claro que, dependendo da gravidade da falha cometida, o funcionário precisará ser desligado. Contudo, nos pequenos erros do dia a dia, uma cultura de maior tolerância pode beneficiar a inovação, a criatividade e o desenvolvimento de novas soluções.
Se o erro é fonte de aprendizados para cada pessoa individualmente, isso não é diferente nas organizações como um todo. As empresas que erram e que analisam o próprio erro tendem a crescer muito mais. Confira, na sequência, alguns dos meios pelos quais as empresas podem construir culturas organizacionais que de fato gerem aprendizados com os próprios erros.
- Planejamento estratégico: planejar as ações permite que as empresas não apenas diminuam a ocorrência de erros, mas também que saibam o que fazer caso algo dê errado (plano B).
- Definição e acompanhamento de métricas: antes de afirmar que algo deu errado, a empresa precisa definir o que é certo, ou seja, estabelecer um estado desejado e determinar métricas de acompanhamento contínuo de resultados.
- Acompanhamento dos líderes: os líderes precisam dar o exemplo das virtudes que desejam ver nas suas equipes. Além disso, devem acompanhar e corrigir as falhas detectadas, sempre tirando dúvidas e mantendo a comunicação aberta.
- Feedbacks humanizados: por meio do feedback individual, o líder expõe, de maneira humanizada e respeitosa, os pontos positivos do desempenho do colaborador, bem como os pontos de melhoria, dando sugestões práticas.
- Relatórios e reuniões inclusivas: as empresas devem produzir relatórios de cada área, identificando o que vai bem e o que pode melhor. Da mesma forma, devem reunir todos os colaboradores, de maneira inclusiva, apresentando a todos os resultados obtidos, com muita transparência.
- Incentivo à inovação: uma empresa não pode se definir como tolerante aos erros se ela não permite que os seus colaboradores apresentem as suas sugestões e corram riscos. Por isso, dar espaço para que todos possam contribuir com as suas ideias é um meio de incentivar a inovação.
- Treinamento contínuo: por fim, se a organização e os colaboradores conseguem identificar pontos de melhoria, é importante desenvolvê-los por meio de cursos e treinamentos, a fim de gerar evolução geral.
A discussão do erro entre punir e aprender é muito complexa, envolvendo as pessoas em todos os contextos e fases da vida. O importante é “punir” a negligência e aprender com o erro, ou seja, não ter medo de errar, mas não gostar de ter errado. Isso nos leva a um aprendizado contínuo, que gera aperfeiçoamento e evolução, rumo aos nossos objetivos.