Nos mitos gregos, encontramos muitas histórias que envolvem heróis e suas façanhas extraordinárias em busca de alguma recompensa. Existe uma extensa bibliografia sobre o tema, mas “O Poder do Mito”, de Joseph Campbell e “Mitologia Grega”, uma coleção do autor Junito de Souza Brandão, foram selecionados para tratar deste tema por oferecerem os subsídios necessários a este trabalho.
Para explicar cartesianamente como o Coaching se utiliza deste conceito, a linha filosófica guiará as reflexões por hora. Ao tratar do assunto por esse viés, referimo-nos à maneira clássica do desenvolvimento do assunto por esta ciência com o objetivo de compreender a simbologia inerente a essas mitologias, dessas grandes tradições que conseguimos ver na história. Outro aspecto que inicialmente será tratado está relacionado à dualidade importância e confusão, que cerca a compreensão dos mitos e suas mensagens subliminares.
Inicialmente a confusão está a serviço do nascimento de inúmeros deuses e seus filhos. A cada momento é recontada como sendo um pai diferente, uma história diferente do seu nascimento, da sua criação, o que muitas vezes, pode empobrecer a simbologia natural, e nesse caminho as pessoas começam a desconsiderar a existência de alguma lógica e passam a estranhar as histórias, não atribuindo o devido valor.
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A Importância de Compreender a Simbologia
Mas, ao passo que entendemos a simbologia, as histórias passam a ficar extremamente atraentes. Remetemos ao assunto simbologia, pois nossas vidas são extremamente simbólicas. Basta observar como nossa fala utiliza símbolos, protocolos, mensagens subliminares. Por exemplo, quando queremos manifestar carinho por alguém muito especial, presenteamos essa pessoa com uma flor, um gesto simbólico que tem uma linguagem emocional.
A importância em compreender a simbologia não se vincula estreitamente por fazer parte de uma história, ou por ser utilizada por uma determinada civilização, mas por fazer parte da vida cotidiana das sociedades ao longo da sua constituição.
O Mito do Herói
Entre todos os símbolos e personagens mitológicos, escolhemos o herói. Alguns motivos nos levam a essa escolha. Primeiro porque tratar do herói é falar do que cada um de nós tem de melhor; em seguida, porque falar de crescimento humano é falar de um ato heroico, é colocar as dificuldades que esse movimento nos coloca em um patamar de “algo transponível”, de saber encontrar as respostas, perceber que por mais difícil que seja passar por certos momentos, escolher qual “arma” utilizar é a chave para superar o desafio que se coloca à nossa frente.
Nesse caminho, os mitos, quando utilizados como poderosas metáforas, trazem opções, soluções, possibilidades de como superar os problemas cotidianos. Pare um pouco e pense em como, cá entre nós, vivemos sempre algum mito.
Quem nunca disse a seguinte frase: “nossa, estou me sentindo num inferno!” Onde, senão, nos mitos, o herói é aquele que vai ao inferno em busca de algum resgate? Tem também a famosa: “hoje, estou no céu!” Qual herói que não acaba sua jornada e segue para o Olimpo? Ainda temos a frase: “estou lidando com um dragão”, “eu tenho que matar um leão por dia”.
Associamos-nos, inconscientemente, ao próprio Hércules em seus trabalhos matando leões, ou ainda, aos cavaleiros de Rei Arthur matando seus dragões. Viu só como você entende um pouco sobre os mitos? Então, podemos concluir por hora, que falar de herói é falar de nós mesmos.
Esclarecido o ponto da presença da mitologia no cotidiano da vida moderna, passaremos a compreender quais são as características de um herói, em seguida, trataremos de sua jornada. Os mitos, de um modo geral, vão nos remeter a essas realidades que são expressas muitas vezes, mais de forma simbólica do que racional.
Para entender essa relação é preciso esclarecer qual o conteúdo dos mitos, sobre o que eles relatam? Sobre coisas que, às vezes, não é possível entender racionalmente, é uma lógica interna, do Self 2, inconsciente. Por esse motivo, muitas vezes leva as pessoas à compreenderem coisas que a razão, consciência ou Self 1 não alcançam.
Em suas obras, Platão nos ensina o poder das histórias, dos mitos, das metáforas, ele relatava que a melhor maneira de tratar de assuntos complexos era através do uso da simbologia mítica, para tudo aquilo que a razão poderia ter dificuldade de compreender. Nesse movimento, podemos citar alguns dos mais famosos mitos: da caverna, das parelhas aladas, do banquete, entre outros.
O mito, de maneira simplista, é a aliança do símbolo com uma narrativa cujo objetivo é tratar assuntos importantes, coisas relacionadas à realidade, que a razão não entenderia completamente. Já naquela época, um tipo de transe conversacional, no qual duas pessoas, com o mesmo objetivo: cocriar novas percepções, se conectariam profundamente através do uso de uma linguagem inconsciente para gerar aprendizados e mudanças de comportamento, por esse motivo, é possível afirmar que Platão e outros filósofos gregos, como Sócrates, já se utilizavam dos processos de Coaching na Antiguidade.
Entender o mito heroico como a evolução do ser humano é associar o ganho de consciência, o desenvolvimento de virtudes, à transferência de atitudes e ações, às respostas dadas aos desafios da vida, como uma forma de aproximar o herói a um modelo mais humano. Tanto é fato que na Grécia, a figura do herói era utilizada como um modelo para inspirar jovens durante a vida, os combates, o convívio social.
Antes de avançar, é necessário fazer uma dissociação entre coragem e heroísmo. É comum pensar que o herói é aquele que se arrisca; que realiza grandes feitos. É preciso desconstruir essa referência e pensar em características, às vezes, um pouco mais sutis para não a referência de herói não se perder.
Etimologicamente, a palavra herói teve sua origem em Eros e significa aquele que serve por amor. Por princípio, herói é aquele que tem feitos heroicos, são altruístas, não tem interesse pessoal naquilo que faz, sua ação tem como objetivo beneficiar outras pessoas.
Os Heróis Estão em Todos os Lugares
Em algumas obras de ficção contemporânea, cinema ou literatura, encontramos alguns exemplos de heróis que passam toda trama narrativa lutando por vingança, em nome de algum tipo de sofrimento que outra pessoa (ou situação) o obrigou a passar, nesse caso, há uma distorção do conceito puro de herói, pois em um dado momento, é possível associar a imagem deste como uma pessoa que tem um motor vingativo.
E o altruísmo, característica marcante desse personagem, já não está sendo utilizado como referência. A premissa do ato heroico não fazer algo para si. Mas sim, entre outras características, atender a um chamado da alma.
Os feitos heroicos têm como característica o altruísmo, não o desejo de querer algo, da necessidade de saber a origem de tudo ou qualquer coisa desse tipo. Agindo desta maneira, o herói mostra potencialidades, capacidades, além da média, destaca-se da multidão para ser extraordinário, fora do comum.
Outro aspecto extremamente relevante na compreensão e diferenciação do herói genuíno está relacionado à dimensão do vilão que deverá enfrentar. Vilões pequenos, quase insignificantes denunciam maus heróis. É possível definir a luz e a sombra, a dualidade entre a coragem e a covardia na vitória sobre o vilão. A contraposição de um em detrimento do outro definirá sua grandeza. Os vilões são os iniciadores dos heróis. Em suma, eles é quem mostram ao herói que ele de fato o é, porque caso contrário, não teria consciência de sua força e poder.
Durante toda a vida, as pessoas passam por inúmeras jornadas, a maneira como os obstáculos são transpostos é que demonstram o quanto houve um crescimento, amadurecimento e o retorno à vida comum com o elixir capaz de curar todos os males: tristezas, crises, angústias, depressão, falta de motivação, desvalorização…
À medida que avançamos no processo evolutivo e nos tornamos pessoas melhores, maiores em plenitude, nossa sombra nos acompanhará. Quando os desequilíbrios, os problemas são muito pequenos, inconscientemente pensamos que não somos capazes de algo maior. Mas, à medida que as pessoas crescem e têm sonhos maiores, as sombras aumentam também.
No cotidiano, o vilão mitológico serão as situações que nos aparecem como provações, como dificuldades e que exigem mudança, crescimento, enfim, demandam um ato heroico dentro da própria vida. A sabedoria heroica não vem da capacidade de estudar determinado problema, tão pouco da iniciativa de atender a um chamado, mas sim da resolução dos desafios, a caminhada diária ensina muito mais, é preciso estar atento aos símbolos que a vida apresenta.
Para ser um herói é preciso cumprir dois pressupostos, um deles é ter um vilão que justifique seu ato heroico, o segundo é ter uma arma extraordinária. Nesse caso, pode se tratar de um objeto ou de um poder, mas de qualquer forma é como se fosse o único poder que o herói tem para resolver tudo. As armas podem também ser concebidas como virtudes, capacidade, vontade, força motriz que leva as pessoas a fazerem coisas. Sempre que uma pessoa é virtuosa, ela se destaca.
Outra característica marcante dos heróis, sobretudo na mitologia, é que muitos são filhos de um deus mortal. Seguindo essa ideia evolutiva, a jornada desse herói, também irá despertar sua divindade. Caberia aqui uma analogia com a nossa vida real, dentro da ideia de que algo eterno existe e que de certa forma nos dá poder, alguns chamam de ego, Self 2, uma parcela divina ou qualquer outra denominação que remeta à dualidade entre o que é matéria e representa a mortalidade e aquilo que é metafísico representado por uma divindade. A junção entre divindade e matéria dá origem ao herói.
Muitas vezes, quando os heróis da vida moderna atendem a um “chamado à aventura” passam por provas, vilões, testes de toda ordem e muitas vezes, um processo de autoconhecimento é essencial para que cada um possa detectar suas forças e pontos de melhoria, ter consciência de suas capacidades e habilidades para passar pelos desafios sentindo-se mais seguro e confiante, pois em muitas oportunidades a luta colocará à prova a nossa divindade e a humanidade adormecida dentro de nós.
Antes de avançar, é necessário que se faça uma recapitulação dos pontos levantados até aqui, os heróis são essencialmente altruístas, eles têm poderes, utilizam armas, são filhos de um deus imortal, lutam contra vilões tão grandes e potentes para justificar o tamanho de seus atos heroicos.
A Jornada do Herói
Trataremos então, da Jornada do Herói. De maneira geral, o nascimento de um herói marca o início de uma profecia, ou algum tipo de drama que ele e sua família enfrentarão. Seu nascimento é singular, tendo em vista que sua concepção assim foi. Seguindo a cronologia, seguimos para a infância, outro momento de vida extraordinário. Na mitologia, percebemos que desde pequenas, os heróis possuem algum tipo de habilidade física ou intelectual.
A trajetória de vida do herói vai se consumando em seus anos posteriores. Os mais maduros como Ulisses, por exemplo, demonstra utilizar uma série de artimanhas para alcançar seus objetivos quando a força é insuficiente. Ele segue um modelo de heroísmo fora da juventude, utilizando-se da inteligência, enquanto que as provas juvenis estão relacionadas ao domínio da força.
Aprende-se com a mitologia que o chamado à aventura é algo pelo qual a alma clama, suplica, em outras palavras, quando tudo aquilo que sabemos ou temos não é mais suficiente, revela-se um momento oportuno para aprender ainda sobre o funcionamento interno de cada um, sobre o mundo, sobre o universo. Quando este chamado é atendido, somos munidos com tudo aquilo que será preciso para ir a busca de respostas. Qual outra maneira de ter ferramentas que nos auxiliem nesta procura do que o processo de Coaching?
Após o chamado, o herói que decide partir, enfrenta, muitas vezes, um grande conflito interno, pois ele deve abandonar tudo o que conhece, família, a esposa, amigos, filhos para ir em busca da resposta. Em algumas ocasiões os heróis pedem conselhos aos pais ou mentores antes da partida. Como nesse exemplo em que Aquiles, antes de partir para Troia, pede conselhos à sua mãe com a intenção de compreender se o que ele deseja é algo individual, para si ou se deve seguir um caminho histórico.
Ser Herói é Ir Além
“Se você ficar aqui e não for a Tróia, você será uma pessoa muito feliz, terá uma excelente esposa, terá vários filhos, e eles irão amá-lo profundamente, assim como sua esposa. E os filhos de seus filhos, seus netos, também irão adorá-lo, vão lhe amar profundamente. Os filhos deles, talvez não lembrem tanto de você, e em três ou quatro gerações, seu nome provavelmente será esquecido, mas você será uma pessoa feliz. Agora, se você for a Tróia, o seu nome será cantado em verso e prosa por toda a eternidade. Mas esse será o último momento em que nos encontraremos, pois junto com sua glória está sua morte.”
É preciso ressaltar que heróis não têm problemas, mas sim provas, trabalhos, missões, encarando desta forma, propõem-se uma mudança de paradigma, pois existe algo a fazer, certamente ocorrerá um desenvolvimento, uma aprendizagem. Na mitologia, encontramos provas de purificação, como no caso de Hércules, o objetivo de seus 12 trabalhos é levá-lo a aprender algo novo com cada feito realizado.
A Hydra de Lerna, morta em um dos trabalhos de Hércules, é um típico exemplo de um ser que tem dentro de si algumas questões mal resolvidas, isso fica evidente na não aceitação da perda de sua cabeça, no lugar nascem duas.
Em síntese, as provas têm ensinamentos. Uma mudança eficaz de mindset acredita que todo problema só é um problema pelo fato da resolução ser algo desconhecido, mas que apresenta uma solução, caso contrário, filosoficamente falando, não seria um problema. A partir desta mudança na forma de pensar, o herói será moldado, porque é a prova que vai mostrar quais habilidades o herói deverá desenvolver, o que deve aprender. No caso de Hércules, ele deve aprender a não usar a força, mas sim a inteligência, porque é típico da evolução humana.
O “herói” atual é construído com alguns elementos heroicos. Mas em grande maioria, os feitos heroicos sofrem uma leve distorção, e aí nós muito desatentos, não percebemos essa distorção e acabamos recebendo as mensagens um pouco trocadas. Muitos dos desenhos animados atuais apresentam esse tipo de inversão. Devemos tomar um pouco de cuidado, mesmo porque a grande maioria é feita para adultos.
A jornada do herói é algo tão intenso que quando ele acredita que já está passando por todas as provas que suportaria ainda se vê diante da necessária “descida ao inferno”, na mitologia grega, Hades desempenha esse papel, este momento para o herói significa a prova principal, a maior de todas, aquela na qual serão testadas todas as suas habilidades para sair vivo e/ou resgatar a pessoa amada, como no caso de Orfeu.
A volta do inferno é sempre uma ocasião de comemoração, pois se comprova o êxito no cumprimento da missão. O retorno, geralmente vem acompanhado de duas opções:
- Casamento – simbolizando a harmonia constituída em vida, casa-se com a pessoa amada, constitui família, torna-se rei e dá andamento ao ciclo da vida. Em algumas histórias encontramos o casamento como a união entre céu e terra, demonstrando que foi possível harmonizar a luz e a sombra, agora o herói é pleno. Pode-se atribuir a esse momento um “encontro com a própria alma”.
- Morte – como analogia à superação total da necessidade da existência. O herói morre em guerra e dessa maneira cumpre a missão para a qual foi designado. É possível admitir que ocorreu o encerramento de um ciclo, pois já não há nada mais a fazer, sua jornada, sua missão em vida foi cumprida.
Estas duas possibilidades encerram a jornada que se inicia na concepção, geralmente acompanhada por um parto difícil, seguindo para uma infância em que recebe certo destaque, pois alguns dons ou poderes já podem ser percebidos. A juventude marca a busca pela própria origem, e nesse momento, já passa por algumas provas, em seguida a maturidade o leva à grande prova e como recompensa o elixir da vida e retorno à casa.
Como na jornada do herói, muitas vezes é necessário que compreendamos em qual momento desta jornada nos encontramos para saber os possíveis passos que possam nos levar ao fechamento de um ciclo. O retorno, o êxito, sucesso, recompensa, existe para que ocorra o fechamento de um ciclo, à volta ao ponto de partida. Quantas vezes não são necessários alguns passos, para trás, antes de seguir adiante forte com expectativas tangíveis de superação da grande prova que nos espera?
Seja o seu Próprio Herói
Mas se você está pensando em ir a algum lugar para uma jornada heroica, pare e respire. A jornada não está em outro lugar a não ser dentro de nós mesmos. Quantos são os desafios, provas, vilões e monstros não encontramos em nosso cotidiano? Então se conclui que quanto mais o ser humano e conhece, maior sua capacidade de ser resiliente, ou seja, de retomar o estado anterior, mas a esse fato não atrelaremos a regressão do status quo, pelo contrário é o retorno à condição anterior com a aprendizagem envolvida.
Talvez esteja aí o grande segredo do processo de Coaching: caminhar junto com o Coachee na descoberta destes movimentos resilientes, que são necessários à superação das provas cotidianas cujo sentido se faz aliando crenças e valores. O retorno à esses pilares leva o ser humano às origens, para buscar sentimentos e ações capazes de ajudar no fechamento de um ciclo. “Lugar” em que você retorna e entende que pode reinar sobre si mesmo.
Os atos heroicos são realizados de forma inconsciente como uma forma de evitar que sejamos esquecidos, de deixar o legado da existência, seja na vida pessoal quanto na vida profissional. Desta maneira, assim como os heróis já nascem predestinados é necessário que os humanos descubram também sua missão de vida, aquilo que os move todos os dias, dessa maneira sua jornada trará grande satisfação e deixará o legado, a marca, a memória, além de promover o reconhecimento e a escuta atenta de outras pessoas sobre seus ensinamentos.
A mitologia e o estudo da jornada do herói estão a serviço ensinar a viver, e de conseguirmos encarar a vida toda de forma simbólica. Nosso diálogo interno é pautado nas metáforas, imagens que criamos para traduzir aprendizados. A vida com significado só faz sentido se vista, vivida, experimentada, aprendida de forma simbólica. Sendo assim, temos que nos transformar em heróis cotidianos, para aprender a escutar.
Fazer algo especial dá o sentido da vida. Então é preciso que saibamos viver observando, lendo e interpretando os símbolos. Pode ser que haja por aí um herói adormecido, pronto para ser acordado. Que tal iniciar a sua jornada?