Durante muito tempo, a humanidade travou uma guerra interna. Os teólogos chamaram essa força de carne pecaminosa, os filósofos de besta interior e o Coaching moderno, muitas vezes, rotula como sabotador. Estamos falando do Self 3, o nosso cérebro reptiliano.
Fomos ensinados a odiar essa parte, a tentar domar a fera ou matar o medo. No entanto, venho propor uma nova visão, baseada na ciência e na compaixão. Essa guerra interna é a raiz do nosso sofrimento, pois não é possível vencer 500 milhões de anos de evolução biológica. O Self 3 não é seu inimigo. Ele é o seu Guardião.
Contents
O anjo biológico e o software desatualizado
Imagine que existe um anjo da guarda biológico dentro de você, programado com uma missão obsessiva e única: manter você vivo. Esse é o papel do seu cérebro reptiliano. O problema nunca foi a intenção dele, que é sempre positiva, mas sim o software que ele utiliza.
Esse sistema primitivo roda um programa antigo, tentando nos proteger de leões e predadores que não existem mais na nossa realidade moderna. Ele utiliza armas como ansiedade, pânico e procrastinação para lidar com boletos, e-mails e feedbacks. Precisamos entender que o Self 3 não sabe a diferença entre um predador na selva e uma reunião difícil. Para ele, tudo se resume a duas categorias: segurança ou ameaça.
Quando o perigo é detectado, ele sequestra a nossa fisiologia. O sangue sai do córtex pré-frontal, onde mora nossa inteligência racional, e vai para os músculos. Ficamos prontos para lutar ou correr, mas menos aptos para argumentar ou raciocinar. Esse estado de alerta constante, esse modo de guerra em tempos de paz, é o que chamamos de estresse crônico.
A Teoria Polivagal e o radar invisível
Para compreendermos profundamente como esse mecanismo funciona, bebemos da fonte da Teoria Polivagal do Dr. Stephen Porges. Descobrimos que nosso sistema nervoso não é apenas um acelerador e um freio. Ele possui três circuitos hierárquicos que definem como percebemos o mundo.
Existe o estado de segurança e engajamento social, onde nos sentimos conectados e criativos. Existe o estado de mobilização, o famoso luta ou fuga. E existe o estado de imobilização, o congelamento, onde o sistema desliga para fingir de morto diante de uma ameaça insuperável.
Quem opera esse painel de controle é o Self 3, guiado pela Neurocepção. Esse é um radar invisível que nunca dorme, avaliando riscos sem passar pela nossa mente consciente. Se você entra em uma sala e sente o clima pesado, é a sua neurocepção captando micro-sinais de perigo. O grande desafio é que, para muitas pessoas, esse radar está descalibrado, enxergando tigres onde existem apenas gatinhos.
Por que nos sabotamos? O amor distorcido
Aqui entramos em um ponto crucial da nossa filosofia. O que o senso comum chama de falta de vergonha na cara ou preguiça, nós chamamos de Excesso de Proteção. Todo comportamento, por mais destrutivo que pareça, carrega uma Intenção Positiva na origem.
A autossabotagem é, na verdade, o Guardião tentando te proteger de um perigo que só ele vê. Se, em algum momento da sua história, ter dinheiro ou sucesso foi associado a perigo, solidão ou julgamento, o seu Self 3 fará de tudo para evitar que você prospere. Ele não está te punindo. Ele acredita piamente que está salvando a sua vida.
Entender isso muda o jogo. A raiva que sentíamos de nós mesmos se transforma em gratidão pela intenção de proteção, abrindo espaço para a reeducação desse instinto.
Os modos de operação: Luta, Fuga e Congelamento
Quando o Guardião percebe uma ameaça, ele ativa respostas químicas específicas. Se ele acredita que pode vencer, ativa o Modo Luta. A raiva e a agressividade surgem como escudos. Pessoas que vivem armadas emocionalmente não são más, são apenas seres acuados que aprenderam que atacar é a única forma de sobreviver.
Se a ameaça parece invencível, mas existe uma saída, entramos no Modo Fuga. Aqui reina a ansiedade. O corpo se prepara para correr, o coração dispara e a mente cria cenários catastróficos. A ansiedade não é uma doença, é uma preparação biológica para a ação que nunca acontece fisicamente.
Por fim, se não há saída, o sistema puxa o freio de mão e entramos no Modo Congelamento. A depressão, a dissociação e a procrastinação paralisante muitas vezes são manifestações desse estado de imobilização. É o corpo fingindo de morto para sobreviver ao insuportável.
A negociação sagrada e o fim da guerra civil
A cura real não acontece tentando vencer o sintoma à força. Isso seria declarar guerra ao próprio Guardião. A transformação ocorre através da negociação e do acolhimento. Precisamos estabelecer um diálogo interno, reconhecendo o valor da proteção que o Self 3 tentou nos dar até hoje.
Podemos usar técnicas simples para acalmar esse sistema. A respiração quadrada, por exemplo, hackeia o nervo vago e avisa ao corpo que o perigo passou. O abraço de borboleta, com sua estimulação bilateral, ajuda a processar emoções e instalar segurança.
Minha amiga, meu amigo, o objetivo final é transformar esse réptil assustado em um Guardião do Templo. Quando curado, a energia da luta vira coragem e determinação. A energia da fuga se torna agilidade e flexibilidade. E a energia do congelamento se transemuta em quietude e capacidade meditativa.
Abrace o seu Guardião. Diga a ele que a guerra acabou. Quando o Self 3 (Corpo), o Self 2 (Coração) e o Self 1 (Mente) caminham juntos na mesma direção, você se torna um ser inteiro. E ser inteiro é a única cura verdadeira que existe.

