Texto por – José Roberto Marques e Pe. Jovandir Batista 

“Indo e vindo, trevas e luz, tudo é graça, Deus me conduz.” Este é um mantra muito cantado pela Igreja e que muito favorece a tomada de consciência do fiel, diante de tudo o que ele é ao longo do seu caminhar. Indo e vindo, quedas e levantes, erros e acertos, enfim, por mais que tenha sido difícil entender o sentido da própria vida ou o propósito de Deus, há de concluir que a graça está acima de tudo.

O estado de graça é a consciência de que toda a vida do cristão está depositada nas mãos de Deus. É estar consciente de toda a sua vida e do quão foi correta a decisão de se tornar um verdadeiro cristão. “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vai ao Pai senão por mim” (Jo 14,6), essa afirmativa torna-se cada vez mais ampla na vida de uma pessoa quando ela reconhece que está nas mãos de Deus, na graça de Deus.

Sentir-se nessa condição não significa estar livre das dores, dos perigos, das traições e tentações do mundo. Significa, sim, um estado de consciência todo focado em Deus, um Deus que realmente é edificante, pleno; sem necessidade — ao contrário do que muitas pessoas pensam — de passar primeiro pela morte física para, então, encontrar com Deus. Ele se faz vivo aqui e agora; o céu é onde estou, pois Deus se faz comigo no meu mundo.

Jesus, em total ação de graças, consciente da sua missão no mundo e do Pai em sua vida, reza:  

Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste essas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, assim foi do teu agrado. Tudo me foi entregue por meu Pai e ninguém conhece o Filho, a não ser o Pai; e ninguém conhece o Pai, a não ser o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar”. E voltando-se para os discípulos, disse-lhes:“Felizes os olhos que veem o que vós estais vendo! Pois eu vos digo: muitos profetas e reis quiseram ver o que vós estais vendo e não viram; quiseram ouvir o que estais ouvindo e não ouviram (Lc 10,21-24).

Não são todas as pessoas que sentem necessidade de religião para se encontrarem com Deus. E nem sempre a religião favorece esse encontro. Posso encontrar Deus em tudo e em todo lugar, inclusive na religião. O que as pessoas pouco fazem, e isso pode lhes fazer falta, é partilhar a graça do encontro com Deus em suas vidas. E neste sentido, a religião é um excelente lugar, uma oportunidade para partilhar, testemunhar essa graça, pois vivemos a religião cristã sempre em comunidade. Independentemente da denominação religiosa, você encontrará uma comunidade reunida.

Perceba que a oração de Jesus transcrita acima está dividida em dois momentos: no primeiro, em particular, entre Jesus e o Pai; num segundo momento, estão Jesus e os discípulos. Rezamos em casa, sozinhos nos diferentes lugares do mundo, em particular, mas faz muito sentido ir a alguma igreja, encontrar-se com outras pessoas e louvar a graça de Deus na vida de cada pessoa.  

Com este entendimento a religião tem grande razão de ser no congregar, em ligar as pessoas com vistas a testemunharem a fé, as conquistas, a graça de Deus em suas vidas.

São muitas as ocasiões em que pessoas querem me provar que, apesar de não irem à igreja, conversam com Deus. Falam de seus dramas e de suas experiências, místicas ou não. Eu, tentando usar da benevolência, escuto, confirmo, concordo. O que essas pessoas estão me dizendo é que elas conversam com Deus, nas suas particularidades. Sim, totalmente verdade. Mas o que elas não sabem é que estão negando uma segunda grande necessidade na vida delas: a da partilha da graça da conversa com esse Deus. Como não vão à igreja, os seus amigos nem sempre lhes dão crédito e uma escuta amorosa; então encontram no pobre padre, ali naquela festa, naquela visita, uma oportunidade para desabafarem. O ombro e a escuta poderiam ser facilmente encontrados, se vivessem sua fé junto a uma comunidade.

Isto tudo, se você está concordando comigo, confirma a minha tese de que a religião é instrumento, ferramenta, local para receber as pessoas e canalizá-las, cada uma na sua particularidade, ao sentido de suas vidas, no Deus que as agracia. E é neste sentido que não devemos discriminar nenhuma manifestação religiosa, seja o terço, o louvor, a promessa, o culto… tudo favorece a graça de Deus.

E digo com muita franqueza, como cristão consciente da minha fé, como teólogo, que todas essas manifestações são importantes e necessárias. Mas nenhuma delas, nem todas elas juntas, substituem a participação na celebração da Eucaristia. Para ilustrar isto, como muito já disse nas minhas homilias e aqui transcrevo, pensemos nas três medalhas olímpicas: bronze, prata e ouro.  

Existem pessoas que estão pelo mundo afora ignorantes da presença de Deus em suas vidas, não rezam, não participam de nada, são pessoas boas, mas ficam no anonimato da vida, não recebem medalha nenhuma, isto é, não se sujeitaram, ou não conseguiram testemunhar as suas crenças. Tais pessoas nunca vão receber uma medalha. Vivem na solidão e nem sequer se dão conta de receber em suas casas uma visita religiosa, missionária.

Outras pessoas são como eu tenho descrito: nos momentos de confraternização procuram uma figura amiga, como um padre, e dizem-lhe conversar com Deus, dizem que buscam Deus com muito empenho, vivendo uma fé isolada, solitária, mas nunca vão à igreja. A tais pessoas, damos uma medalha de bronze. 

Existem outras pessoas que têm Deus em suas orações, foram batizadas, fizeram até a primeira Eucaristia e, a partir daí, vão à igreja nos momentos especiais como casamentos, formaturas, missa de sétimo dia, pagam promessa, mas raramente participam da missa. Quando vão à missa, geralmente não participam da Eucaristia.A essas pessoas, uma medalha de prata. 

E existem as pessoas que participam de diferentes manifestações religiosas, se sentem bem nesses momentos, contudo, tendo a consciência de que precisam mesmo é de participar da missa, às vezes até diariamente; mas, dadas as ocupações do dia a dia, vão no mínimo, sem falta, às missas dominicais. A tais pessoas, uma medalha de ouro.

Pois bem, fato é que quem não tem medalha nunca se permite conhecer, fica sempre na dúvida sobre quem é, pois não olha para si mesmo. Aos que se contentam com medalhas de prata e de ouro, tudo bem, o seu jeito é o jeito certo, mas buscar medalhas de valores cada vez mais nobres é imprescindível para alcançarmos as graças que merecemos.

É fundamental sentir Deus em nossas vidas, mas é essencial a participação na Eucaristia. Ela é o voo. Na Eucaristia, vê-se que a boa vivência religiosa é sinônimo da graça, pois se está praticando algo em comum com entendimento conjunto. Na oração de Jesus transcrita no início desta seção, ele deixa clara a necessidade de fazer algo com entendimento, pois o entendimento conjunto permite a consciência da graça. Busque uma comunidade religiosa e louve a Deus entre irmãos. Experimente a chuva de graças sobre você.  

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