Desde que comecei minha jornada, no desenvolvimento de pessoas, tenho insistido em um tema que muitas vezes é mal compreendido e acredito que preciso esclarecer algumas questões para fazer sentido para você e para as demais pessoas que ainda não entenderam a profundidade do que estou dizendo.
Desenvolver pessoas não se resume a trabalhar suas aptidões profissionais, melhorar suas técnicas e suas ferramentas. É claro que isso também faz parte do processo, mas há uma outra parte que é absolutamente necessária e ela não está diretamente ligada ao racional, mas ao emocional.
Nós somos uma sociedade que está adoecendo. O número de pessoas que têm procurado ajuda psicológica e psiquiátrica nunca foi tão alto e isso está em todos os jornais, revistas, programas de TV. Mas há outro lado que precisa ser enxergado: o resultado da nossa vida estressada, corrida, ferida emocionalmente, não está apenas nas doenças da mente, mas também nas doenças do corpo.
O que quero esclarecer para você é que nossas emoções adoecem o nosso corpo físico. A raiva, a mágoa, o ressentimento, a culpa – que se materializam na falta de perdão – causam, comprovadamente, uma série de males à nossa saúde física como o infarto e até mesmo, segundo alguns indícios, o câncer.
Quando falo sobre perdão e o que a falta de perdão causa em nós, muita gente ainda não acredita que eu esteja falando sobre ciência. Então quero te contar que existe no Brasil um grupo de médicos que há vários anos pesquisam o efeito do perdão (e da falta de perdão) no nosso corpo, um campo que eles chamam de medicina e espiritualidade – mas não é uma espiritualidade ligada à religião, mas à crenças, valores e princípios.
Esse grupo muito especial de pesquisadores se chama Grupo de Estudos em Espiritualidade e Medicina Cardiovascular – (Genca), e é ligado à Sociedade Brasileira de Cardiologia na Bahia. Entre este e outros grupos, há cerca de 900 médicos no Brasil interessados neste tema, o que é uma quantidade muito relevante do ponto de vista científico.
A Dra. Lucélia Magalhães conta em uma recente entrevista que quando percebeu que a falta de perdão poderia estar ligada a episódios de infarto, a comunidade médica não deu muita credibilidade, achavam que isso não era ciência, mas aos poucos perceberam que a relação era muito clara para ser ignorada pelas pesquisas.
Nos últimos dez anos, o número de artigos científicos publicados no Brasil e no mundo inteiro relacionando emoções negativas e quadros de problemas cardíacos, neurológicos e cânceres aumentou quase em três vezes.
Os médicos explicam que encontraram em exames de imagem, mapeando o cérebro durante episódios de emoções muito fortes, alterações químicas decorridas de situações muito parecidas com as que necessitam de perdão. Sabendo que é do cérebro que partem estímulos nervosos para o resto do corpo e, sobretudo, para o coração, entenderam que essas situações estressantes, traumáticas e que geram mágoa e raiva causam impacto no sistema cardíaco.
A doutora Lucélia explica que “Em alguém com raiva crônica, o cérebro fica modificado. Conseguimos ver, no diagnóstico por imagem essas alterações”. Isso sobrecarrega o coração, levando a episódios de infarto.
Perdoar gera uma diminuição de hormônios ligados ao estresse e ao desgaste emocional como o cortisol. Algo que parece ser de um campo muito mais religioso e subjetivo, na verdade é uma questão de química, biologia, e também de uma mente madura.
Aconteceu em junho de 2019 o 40º Congresso da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo. Nesse congresso o tema do perdão também esteve presente e a relação entre dificuldade de perdoar e a ocorrência de infarto agudo do miocárdio também foi discutida.
A psicanalista Suzana Avezun apresentou um estudo realizado durante seu mestrado que reforça a ideia dos médicos cardiologistas. Ela entrevistou 130 pacientes que infartaram entre os anos de 2016 e 2018. Os entrevistados responderam a dois questionários elaborados pela psicanalista um para avaliar a disposição para o perdão e outro sobre espiritualidade e religiosidade. A pesquisa aponta que entre as pessoas que infartaram, 31% afirmaram ter perda significativa da fé e dificuldades para perdoar e pedir perdão.
Mas há muitos outros estudos científicos que comprovam isso. Na Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, um estudo que contou com 202 informantes entre 19 e 29 anos, mostrou, pela primeira vez, que o perdão tem efeito de longo prazo para a saúde do coração. Esse estudo esteve ligado aos marcadores de estresse e aos hormônios que nos deixam em constante estado de alerta, prejudicando nosso repouso e nossa paz interna.
Ainda há um importante cientista do renomado Albert Einstein, dr. Marcelo Katz, que afirma que o ressentimento, ou seja, sentir de novo as emoções que nos afetam negativamente, causam processos inflamatórios importantes no nosso corpo.
Quando um momento traumático é registrado pela nossa mente e nossa memória recupera com frequência esses sentimentos, essas emoções causam um efeito permanente de desgaste da nossa saúde física. Quer dizer, quando uma pessoa não consegue ressignificar um momento de dor e de mágoa, o seu corpo passa a sofrer permanentemente com aquilo. Isso porque as memórias reativam a química do organismo, como se a pessoa estivesse vivendo o tempo todo a dor, e o corpo liberando os mesmos hormônios.
Não é misticismo, nem religiosidade vã, é a ciência entendendo que nós somos muito mais que apenas uma máquina, que nós temos uma subjetividade, uma vida interna que está conectada com tudo o que somos como matéria.
Fico imaginando como é para um mentor, para um coach ou treinador, desenvolver uma pessoa sem entender quem ela é, qual sua história de vida, quais são seus momentos marcantes, suas dores e suas marcas.
Eu realmente não vejo uma forma de ajudar uma pessoa a chegar a um próximo nível na sua vida sem que ela resolva seus problemas interiores. Sem que ela trave as batalhas internas que têm que ser travadas até conseguir compreender que cada momento de dor precisa ser honrado e respeitado, mas não precisa ser revivido, não precisa ser relembrado.
E para travar essas batalhas é preciso, muitas vezes, ajuda de um profissional especializado em problemas desse caráter, como psicólogos e psiquiatras.
A memória da dor é uma nova dor… para o nosso cérebro uma memória é um retorno ao momento e a tudo que o momento nos proporcionou. O perdão desconecta a memória do sentimento, por isso o perdão não nos faz esquecer, ele não apaga a memória, mas dá um novo sentido para ela.
Quero te dizer que vou continuar trabalhando para que as pessoas entendam que não há evolução sem amadurecimento, e o perdão talvez seja um dos processos de amadurecimento mais poderosos que nosso corpo e nossa mente conhecem.
A capacidade de perdoar a nós mesmos, aos outros e nossa capacidade de reconhecer nossas falhas e pedirmos perdão está em nós. Ela precisa ser exercitada até que faça parte da nossa personalidade. E toda vez que alguém te disser que precisamos nos basear em ciência, esteja muito tranquilo que é apenas por meio da ciência que nós trabalhamos e se engana quem pensa que a ciência não se despertou para a subjetividade humana.
Referências:
Site UOl viva Bem: https://bit.ly/39qJ5jd
Site UOL Saúde: https://bit.ly/2titGRu
Site Correio24horas: https://glo.bo/39oCqWH
AVEZUM, Suzana Garcia Pacheco. Avaliação da disposição para o perdão em pacientes com infarto agudo do miocárdio. Dissertação (mestrado em Ciências da saúde). Universidade Santo Amaro (UNISA). São Paulo – SP, 2018.
SANTANA, Rodrigo gomes; LOPEZ, Renata Ferrare Fernandes. Aspectos conceituais do perdão no campo da Psicologia. Psicol. cienc. prof. vol.32 no.3 Brasília, 2012.