Texto por – Pe. Jovandir Batista 

Dizem que a consciência moral é elástica, ela ajusta-se de acordo com a cultura, os princípios, o meio, o convívio de cada pessoa. Dependendo de onde se está e com quem se está, falar de consciência é ser ridicularizado, é vergonhoso, ou pode ser considerado bonito, honroso e até atrair aplausos.  

De tempos em tempos fala-se em crise. Crise política, econômica, social, ética e moral. Não seria tudo isso uma crise de consciência? O professor Mário Sérgio Cortella discorre sobre tal fato, apresentando-o em suas muitas palestras, livros e entrevistas, e aqui citarei algumas de suas falas.

Sobre “ética”, o professor responde que ela é “o conjunto de valores eprincípios que você e eu usamos para decidir as três grandes questões da vida que são: quero, devo, posso. Isto é ética”.

Quais são os princípios que eu uso? Há coisas que eu quero, mas não devo. Há coisas que eu devo, mas não posso. E há coisas que eu posso, mas não quero. Quando é que você tem paz de espírito?

Você tem paz de espírito quando aquilo que você quer é o que você pode e também o que você deve.

Como definir isso? Através de princípios da sociedade, sejam eles religiosos ou não. Define-se através de normatizações, por exemplo: há anos, no auditório, algumas pessoas fumariam, e outras não. Há anos haveria uma placa: “É proibido fumar”. Hoje não precisa mais. Hoje as pessoas não fumam no auditório, elas absorveram aquele comportamento social, uma regra/lei que aos poucos se tornou algo orgânico, natural, comum, quase óbvio. Isso significa que a ética vai se construindo — porém, cautela, não existe ninguém sem ética: o deputado que frauda, o fiscal que faz vista grossa, o professor que engana têm uma ética que é contrária à nossa, eles são antiéticos; mas não existe ninguém sem ética.

PSC

Sobre moral, o professor Cortella responde que “amoral”, diferentemente de “imoral”, é o estado de uma pessoa que não pode decidir, escolher e julgar, por exemplo: uma criança até determinada idade ou um idoso que tenha algum tipo de limitação cognitiva, seja por uma doença como a síndrome de Alzheimer, seja por senilidade. Nesses casos pode-se considerar uma pessoa “amoral”, ou seja, com ausência de moral, sem consciência de moralidade. Moral é a prática de uma ética. Ética é princípio; moral é prática. Portanto, eu tenho um princípio ético: não   pegar o que não me pertence. Já o meu comportamento moral é que estabelece se eu roubo ou não; logo, o princípio deve se traduzir numa prática moral.

Temos pessoas imorais. Imoral, por um lado, é alguém que, mesmo sabendo de uma norma de moralidade, quebra-a de forma deliberada; por outro lado, pode ser alguém que tenha um código de conduta diferente do meu, que, por ser diferente, não é ruim ou errado (no caso de não infringir nenhuma lei). Há pessoas que consideram um beijo entre duas pessoas do mesmo sexo um ato imoral, outras já o consideram moral. Seu ato depende, então, da moral que você pratica e se ela está na referência da ética que há em sua cultura. E, também, da época, por exemplo: situações que anos atrás eram consideradas imorais e hoje já não mais o são. Em todos os casos, os aspectos cultural e histórico são muito importantes.

Não é que a ética seja relativa, a moral é que é relativa. A ética é corcene a um tempo, um grupo, mas ela aspira a ser universal, como por exemplo a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Há vários anos discute-se questões lá do ano de 1968, há um vai e vem na discussão, e a Declaração tenta responder à maioria dos anseios de toda a sociedade: “toda criança tem que ser respeitada… não pode haver discriminação racial… direitos iguais para homens e mulheres…” Como isso se traduz na prática, aí já é outra discussão, aí entra a relatividade.

E o professor Cortella ilustra tudo isso citando São Paulo na sua 1ª Carta a Coríntios, capítulo 6, vale lê-la na íntegra, mas aqui vai apenas o versículo 12: “A mim tudo é permitido, mas nem tudo convém. A mim tudo é permitido, mas não me deixarei dominar por coisa alguma” (1 Cor 6,12).

Em uma de suas entrevistas, Mário Sérgio Cortella fala a respeito do episódio ocorrido numa maratona em 2012, na Espanha, onde um atleta, Ivan Fernández Anaya, surpreendeu o público com um ato que causou estranhamento e admiração. Ele era o segundo colocado da prova quando viu o queniano Abel Mutai, que liderava com folga, diminuir o ritmo. O que fez o espanhol? Ao invés de aproveitar a oportunidade para vencer a corrida, alertou o concorrente e o empurrou até a vitória.

Cortella cita a pergunta de um jornalista: “Por que você fez o que fez?” E o atleta espanhol o respondeu com outra questão: “Fiz o quê?” Ele não entendeu a pergunta, ele tinha valores e condutas em relação aos quais aquela pergunta não fazia sentido.

O jornalista insistiu e perguntou: “Mas por que você fez isso?” E o atleta respondeu: “Mas isto o quê?” Ele não compreendeu, ele não achou que houvesse outra coisa a fazer senão aquilo que ele havia feito. O jornalista insistiu: “Você deixou ele ganhar”. O atleta respondeu: “Eu não deixei ele ganhar, ele ia ganhar”. O jornalista: “Mas ele estava distraído. O atleta: “Então, se eu ganhasse desse modo, qual seria o mérito da minha vitória? O que eu ia pensar de mim mesmo, sem essas perguntas, sem essas câmeras? Se eu subisse no pódio, no lugar de número um, qual seria a honra da minha vitória? Qual seria a dignidade do meu sucesso?” E uma última fala, que é considerada por Cortella como a fala mais bonita de todo o ano 2012: “Se eu fizesse isso, o que eu iria falar para minha mãe?” Fato é que a mãe é o último reduto que a gente não quer envergonhar. Pode parecer romântico, mas a vergonha tem uma fonte matricial, que é o mais fundo do seu “eu”, que é aquilo que o gerou.

E, para encerrar esta referência a Mário Sérgio Cortella, ele cita uma frase de Immanuel Kant que serve para toda e qualquer situação em relação ao comportamento humano: “Tudo aquilo que não puder contar como fez não o faça.”

Pois bem, para um bom exame de consciência, supõe-se que o ser humano esteja esclarecido sobre o que é ética e moral. Isto significa ser uma pessoa educada em casa, ter encontrado subsídios que ampliassem   os próprios conhecimentos no período em que se está na escola e também depois de ja ter passado por ela. Diante disso, percebemos como a crise política, econômica, social, ética e moral que vemos no Brasil e no mundo está mais para uma crise de educação.

Quando não se aprende na família ou na escola, atribui-se a responsabilidade da educação para a religião. Porém o cidadão que ainda não se tornou fiel acha-se no direito de julgar a religião segundo a sua compreensão rasa de vida. Ele quer, muitas vezes, que a religião se ajuste à sua cabeça, e não que a sua cabeça se encontre com a religião.

E, como nos dias de hoje há uma oferta considerável de igrejas, o cidadão fica experimentando, ele quer encontrar um lugar que diga aquilo que ele quer ouvir e que reforce as verdades que já tem nele introjetadas. Alguém que procede com as experimentações das igrejas raramente conseguirá se identificar com uma religião e pode chegar a acreditar que nenhuma religião “funciona” ou que nenhuma igreja tem valor. 

O princípio do Cristianismo é fazer acontecer o que está no Evangelho de Jesus Cristo: “Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância”(Jo 1,10b). Assim, toda e qualquer atitude que não esteja em consonância com a vida será sempre rejeitada pela religião. Daí não se discutir, dentro da religião, temas relacionados a aborto, pena de morte, redução da maioridade penal, pílulas disso e daquilo, eutanásia etc., pois são temas relacionadas à morte.

E aqui, como salesiano e padre que sou, dentro dos princípios de Dom Bosco, cito a máxima que rege a missão salesiana segundo o desejo de Dom Bosco: “Ser bom cristão e honesto cidadão”. Dentro da filosofia salesiana de educação, consideramos que as pessoas que tenham uma boa formação cristã, defensoras da vida em toda e qualquer instância,estarão bem orientadas para se tornarem cidadãs.

Como padre, na minha já grande experiência de atender penitentes, o que percebo muitas vezes é que o penitente não traz tanto mais situações  de perdão, o que se chama, no ministério da reconciliação, de matéria. Muitas vezes não há matéria na confissão, mas há pedido de ajustamento de conduta: cada penitente trazendo uma conduta de vida e querendo que o padre dê o veredito, aprovando essa ou aquela conduta. O padre não tem poder de aprovar conduta de ninguém; a consciência da pessoa que está com aquela conduta, sim. Cabe ao padre mencionar o princípio da vida e chamar o penitente para a consciência de seus atos, isto explica, muitas vezes, o sair de uma igreja e ir para outra, o viajar para conversar com determinado padre ou deixar o padre da própria paróquia, pois as pessoas nem sempre querem confrontar a verdade na própria existência.

A célebre frase de Mahatma Gandhi, “Seja a transformação que você quer ver no mundo”, nos ajuda a compreender isso:

  • Quer mudar a Igreja? Seja antes essa Igreja mudada;
  • Quer mudar a política? Esteja antes mudado politicamente;
  • Quer salvar a família? Comece pela sua;
  • Quer corrigir o outro? Corrija-se primeiro;
  • Quer salvar o planeta? Comece separando seu próprio lixo.

Jesus foi crucificado por testemunhar a verdade: “Eu nasci e vim ao mundo para dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade escuta a minha voz” (Jo 18,37c). Na minha missão de padre, cada vez mais tomo consciência de que não é fácil ser cristão diante dos tantos “Pilatos” do mundo. Sempre pergunto aos pais e padrinhos, no momento de batizar uma criança, se eles estão realmente conscientes do que estão fazendo ali. Pergunto com a máxima preocupação, em busca de uma resposta sincera e esclarecida daqueles adultos na condição de pais e de padrinhos, pois precisam estar cientes da grande responsabilidade de educar aquela criança na verdade cristã, e não simplesmente ver derramar água na cabecinha dela e aparecer na foto para exibir aos parentes e amigos.  

A Igreja seria outra, se os seus fiéis fossem realmente testemunhas da verdade. Sempre que recebo alguém à procura de algum tipo de conselho, às vezes com alguma dúvida de conduta, eu pergunto a ela: “Você quer ouvir uma verdade ou uma mentira?” Ao fazer esta pergunta, a consciência da pessoa se desperta, pois ela já tem a resposta dentro de si, o que às vezes está buscando é alguém que confirme a sua má conduta e lhe diga, como correção, coisas óbvias que ela já sabe. A figura do padre não interfere diretamente o processo de reflexão, a não ser por trazer um certo conforto e segurança a quem se confessa.

Assim como a mãe é, para o atleta espanhol Ivan Fernández Anaya, o centro regulador de sua moral, a Igreja o é para o cristão. A Igreja é constituída de pessoas que prezam a verdade, pois se orientam a partir do testemunho do Jesus de Nazaré sobre a verdade e vivem como cristãs. O cristão, caso tenha necessidade de esconder a sua conduta da Igreja, está atestando sérios problemas de consciência e deve procurar orientação, além de passar pela confissão. Do contrário, dificilmente conseguirá se colocar nas celebrações, nas pastorais, não apresentando condição de servir.

Uma pessoa com a consciência atormentada (em pecados) é uma pessoa que perde o real significado do amor, da doação, do espírito de fraternidade com as demais pessoas. Podemos constatar isso buscando dois personagens bíblicos: Judas Iscariotes e Simão Pedro.

Judas Iscariotes, dadas as suas atitudes de fechamento ao amor, de ambições e coisas a mais nesse sentido, acabou se rendendo ao mal, distanciando-se do amor de Deus e, como consequência, perdeu o sentido da vida e, posteriormente, a própria vida 1 (Jo 13,2.26-27).  

Simão Pedro é o personagem do constante aprendizado (Lc 5,1-11; Mt 26, 69-75; Lc 5,10.At 2,14-47), enfrenta diversas dificuldades, mas persiste na busca do bem, que, embora não muito clara, acredita que lhe é possível. Com isso, Pedro sente a graça de Deus em sua vida e passa a testemunhá-la para outras pessoas, a tal ponto de lhe ser confiado o governo da Igreja de Jesus Cristo (Mt 16,18).

Portanto, tomando os casos de Pedro e Judas, temos, de um lado, o esforço para aproximar do amor, resultando em salvação; e, de outro, um desleixo, um distanciamento, resultando em perdição.

Na ceia citada acima (Jo 13,2.26-27), acontece algo que sempre se repete nas ceias eucarísticas. Jesus acolhe seus discípulos e inicia um gesto de purificação, o lavar os pés. Dali surgem questionamentos, e Jesus diz ser uma demonstração de pureza em vista do serviço. Jesus dá o exemplo e exige que todos façam o mesmo ao longo de suas vidas. Em seguida, todos limpos, à exceção de Judas, participam da ceia.

Na liturgia da missa, esse momento de tomada de consciência e purificação se dá invocando: “Senhor, tende piedade de nós; Cristo tende piedade de nós.” E, novamente, “Senhor, tende piedade de nós.” Todos, inclinados, recebem o perdão ministrado pelo sacerdote, em seguida dá-se sequência à celebração, até o momento do ápice na comunhão eucarística.

Participam da comunhão os que se reconhecem no bem, por isto, pertencem a Deus. Não participam da comunhão os que se veem praticando o mal, por isto, distanciam-se de Deus. E a conclusão da situação de cada um é resultado de um belo exame de consciência.

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